A perspectiva compreensiva,
dialógica, fenomenológica e participativa que a Linha de Pesquisa Práticas
Sociais e Processos Educativos, no Departamento de Metodologia de Ensino, na
UFSCar, oferece aos participantes, despertou meu interesse em estudar a Meditação
Integrativa, uma técnica de meditação bio-psico-espiritual criada na cidade de
São Carlos, entre os anos de 2001 e 2003, e que integra diferentes projetos de
anima-ação cultural da ONG Círculo de São Francisco (ONGCSF), tendo como
sujeitos um grupo de idosos que se singularizam por serem médiuns atuantes em centros espíritas, em terreiros de umbanda, de
forma independente em suas casas ou, até mesmo, de forma laica e transreligiosa
como ocorre na ONGCSF.
Entre os anos de 2005 e 2015, a
ONGCSF realizou cursos de Gerontagogia Holonômica envolvendo cerca de 300
idosos (pessoas com 60 anos de idade ou mais), sendo que, aproximadamente 10 %
se consideravam médiuns. Ou seja,
afirmavam que viam, ouviam e, em alguns casos, eram capazes de "dar
passagem" para que supostos Espíritos se manifestassem através de seus
corpos.
Nestes cursos, os idosos
participavam de vivências com a Meditação Integrativa e conversavam, após a
atividade, sobre a experiência. Por ser uma atividade que valoriza o sagrado
ou o numinoso, devendo ser praticada, portanto, como uma hierofania e não como
uma simples técnica de relaxamento mental ou para combater o estresse, o que
não quer dizer que ela seja uma atividade, necessariamente, religiosa, foi
possível notar que os idosos que diziam ser médiuns
ou que exerciam essa prática social (a mediunidade) em algum contexto religioso
ou laico costumavam manifestar em suas narrativas elementos que podem ser
associados ao imaginal ou o mundus imaginalis, conforme teorizou Henry
CORBIN (1969), um dos mais importantes estudiosos ocidentais da espiritualidade
islâmica, e que contribuiu significativamente nas atividades do Círculo de
Éranos, talvez, até hoje, o grupo de estudo sobre temas espiritualistas mais
famoso e consistente, e que reuniu celebridades do mundo acadêmico como C.G.
JUNG, Rudolf OTTO, Gilbert DURAND, James HILMMAN, Mircea ELIADE, entre outros.
Em 2013, após conhecer
o projeto MAPEPS, da UFSCar, vinculado à Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos
Educativos, que tem em Paulo FREIRE, Ernani Maria FIORI, Enrique DUSSEL, entre
outros, senti a vontade de submeter um projeto de pesquisa de pós-doutorando
com o objetivo de ajudar a desestigmatizar a prática social da mediunidade
através da valorização do ponto de vista e dos processos educativos de seus
atores sociais, procurando compreender a mediunidade, principalmente a
umbandística, não como algo "patológico" ou "satânico", mas
como um fenômeno humano importante para a vida cotidiana de várias pessoas que
vivenciam esse potencial psíquico, sem necessariamente buscar comprovar que a
mediunidade é, de fato, o contato entre o "mundo dos mortos" e o
"mundo dos vivos", uma vez que reconhecemos que há outras
interpretações possíveis para esse fenômeno psíquico.
Há vários indícios que
apontam o valor da prática social da mediunidade na diminuição de várias
perturbações psíquicas. Assim, ao contrário de gerar loucura, como a
psiquiatria afirmava no início do século XX, ela favorece o reequilíbrio
psíquico e, em vários casos, auxilia no processo de individuação (autorrealização)
ou de "libertação" da pessoa que é considerada médium.
No que se refere à Meditação
Integrativa, a prática social que pretendemos estudar, ela foi criada na ONGCSF
e é utilizada na Animagogia, o programa educativo criado pela ONG Círculo de
São Francisco que visa despertar o Homo
spiritualis, em outras palavras, o modo de ser, pensar e agir no mundo com
habilidade espiritual. Esse objetivo seria alcançado, segundo a Animagogia, integrando
o ego e o Self e despertando os
atributos do Espírito.
A Animagogia se
fundamenta na Antropolítica do (re)envolvimento humano e é realizada através de
diferentes projetos de anima-ação cultural, inclusive com pessoas adultas e
idosas, nos cursos de Gerontagogia Holonômica.
Por sua vez, a Antropolítica
do (re)envolvimento humano, que seria a dimensão ética-política que orienta o
trabalho da ONGCSF se fundamenta nas contribuições do físico David BOHM (2007 e
2008) que busca, a partir das teorias quânticas, mas sem ceder às tentações idealistas
e solipsistas, estudar a "totalidade" e a "ordem implicada"
da realidade em sua relação com o pensamento, compreendendo que a visão geral
do mundo (cosmovisão) é crucial para que a mente possa se movimentar dentro do
Todo, ou de forma coerente e harmoniosa ou criando separações e fronteiras,
separando o mundo em partes desconectadas, separadas e independentes (BOHM,
2008, p. 12).
É possível identificar
nestas duas formas de interação entre o pensamento e a realidade, conforme
apontou BOHM, imagens e ideias que remetem aos dois "regimes de imagens"
estudados por Gilbert DURAND (1997), o "diurno" e o "noturno",
uma perspectiva de estudos antropológicos que rompe com a visão dominante que
afirma ser o imaginário sinônimo de fantasioso. Na teoria durandiana, o
imaginário é pensado como o elemento constituinte dos modos de ser, pensar e
agir dos indivíduos, das coletividades socioculturais e da humanidade como um todo.
E nossa tentativa de estudar a prática da Meditação
Integrativa em um grupo de idosos que se dizem médiuns pode favorecer o desabrochar de um novo campo de pesquisa
voltado para a compreensão das manifestações naturais e saudáveis das criações
imaginárias ou noéticas, tratando com respeito as vivências, opiniões e/ou
crenças transmitidas pelos sujeitos participantes, sem rotulá-los ou
estigmatizá-los, mas mantendo um compromisso ético de estudar e valorizar
questões abandonadas ou negligenciadas pelos “paradigmas da ordem” – tanto no
campo da pesquisa, do ensino e da vida como um todo, pois os processos
educativos não se restringem ao ambiente escolar.
Nesta modesta investigação, aberta ao conflito, à
complexidade, ao probabilismo, à incerteza, à contestação e à dúvida, o
objetivo central é revalorizar a subjetividade, o indivíduo e a história,
talvez o cerne e a atitude diante da vida que aproxima e complementa os autores
(e suas respectivas propostas teóricas e metodológicas) citados acima.
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