terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Perdão, Descartes!


Adilson Marques - asamar_sc@hotmail.com

Em 2003 na minha tese de doutorado e em 2009, na primeira edição do livro Imaginário, História Oral e Transcendentalismo, eu cometi um erro crasso. Sem ir às fontes, confiei cegamente no senso comum científico e reproduzi as críticas que Capra, Boaventura de Souza Santos, Eduardo Subirats, Edgar Morin e outros fazem à Descartes. Confesso que só fui ler o que este "último dos vedantas modernos do ocidente", conforme o classificou Ken Wiber, em 2016. Mas, felizmente, deu tempo de corrigir esse erro em meu relatório de pós-doutorado, separando o que se chama rotineiramente de "paradigma cartesiano" do que realmente Descartes escreveu.
Meu primeiro contato com a obra de Descartes foi com o texto "meditações", publicado em 1641. Esperando encontrar um texto ateísta, materialista, mecanicista, positivista etc., sou surpreendido por uma pessoa religiosa, mas descontente com o pensamento escolástico medieval e com o empirismo crescente no mundo moderno, querendo provar, racionalmente, a existência de Deus. Para tanto, inicia, como Santo Agostinho, duvidando de tudo e concluindo que por pensar, ele existe. Em seguida, apresenta argumentos para demonstrar que o espírito existe e sobrevive à morte física. Em seguida, demonstra a existência de Deus e do mundo material.
E afirma que, durante a encarnação do espírito, este se mistura de tal forma ao corpo que não dá para distinguir o que é de um e o que é do outro, afirmando ainda que o pensamento que manifestamos está permeado pela imaginação e pelo sentir. Esse argumento desconstrói todo argumento de quem vê em Descartes uma separação radical entre pensamento e emoção, pensamento e imaginação ou entre espírito e corpo.
Descartes realmente pode ser visto como um vedanta ocidental em plena expansão da modernidade, pois sua visão sobre a felicidade é similar a que Krishna ensina para Arjuna na Baghavad Gita, demonstrando uma grande devoção a Deus e manifestando sua opinião de que seremos felizes se acolhermos todas as vicissitudes da vida, sejam as positivas ou as negativas. E em suas cartas trocadas com a princesa Elisabeth, parece agir como um terapeuta psicossomático diante das queixas dela com os médicos que não descobrem a causa de suas doenças. Afirmando a relação entre alma e corpo sugere a princesa que busque os "remédios da alma".
Enfim, nada contra fazer como os autores acima e identificar como "paradigma cartesiano" a tendência em separar sujeito e objeto, matéria e espírito etc. Porém, assim como Marx não foi marxista ou Epicuro não foi epicurista, Descartes também não foi cartesiano. Eu agora entendi e peço desculpas a ele por não ir à fonte e acreditar cegamente no senso comum dos cientistas.
São Carlos, 13 de dezembro de 2016 - dia de Santa Luzia, considerada protetora dos olhos (e que também nos abre os olhos diante dos erros) 

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