APRESENTAÇÃO

Apresentação

Nesta apresentação pretendo expor como ocorreu minha inserção na ONG Círculo de São Francisco (ONGCSF) que criou e difunde a Meditação Integrativa, prática social que iremos estudar tendo como grupo-sujeito idosos que afirmam serem médiuns.
 Entre os anos de 2001 e 2003, ainda ignorando os pressupostos da Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos, participei de uma experiência mediúnica singular e laica que deu origem à ONGCSF, em 2003, na cidade de São Carlos. A única diferença é que eu não procurei o grupo que realizava essa prática social para estudá-la, mas fui procurado e convidado pelo grupo que fundou a ONGCSF para me integrar a ele, de uma forma nada convencional, como apresentarei a seguir.
Eu vim morar em São Carlos em 1998 para trabalhar como animador cultural no SESC São Carlos e, no ano seguinte, fiz diferentes cursos de Reiki, uma prática bioenergética de origem japonesa, mas que foi sistematizada nos EUA, de onde se expandiu para outros países, inclusive, para o Brasil, no final da década de 1980. A iniciativa para fazer tais cursos foi tentar resolver um problema que estava vivenciando na cidade: mesmo sem intenção, eu acabava interferindo no mundo material, abrindo portas, acendendo ou apagando luzes, derrubando objetos etc. sem a necessidade do contato físico. Bastava me aproximar de certos locais para estes fenômenos acontecerem.
Foi uma estudante do curso de Psicologia, da UFSCar, que me disse para fazer os cursos, pois eu teria "energia para doar". Após fazer os níveis I, II e III do referido curso, junto com um professor de Tai Chi Chuan e uma professora de danças circulares e meditação, montamos um espaço cultural na cidade de São Carlos chamado Encantos da Lua - Centro de Estudos e Práticas Cooperativas e para a Paz, em setembro do ano 2000, para sediar o Programa Homospiritualis, criado um ano antes por mim para difundir, no município, os valores da Cultura de Paz, seguindo as orientações do manifesto da UNESCO para a década da cultura de paz e não-violência (2001-2010) e, ao mesmo tempo, oferecer as práticas que dominávamos, gratuitamente.
A Encantos da Lua teve uma existência curta, de 2000 a 2003, coincidindo com o período em que realizei o meu doutorado na Faculdade de Educação da USP, pois usava parte do recurso da bolsa que recebia da FAPESP para pagar o aluguel da casa e manter o espaço aberto e funcionando.
Porém, em 2001, eu estava na Encantos da Lua quando recebi a visita de dois rapazes querendo conhecer o trabalho que ali realizávamos. Os dois eram estudantes de Química, na USP, e tinham em torno de 23 anos de idade. Cerca de duas horas depois, ao se sentirem à vontade, um deles falou que era médium e que um Espírito havia passado para ele o meu nome e o endereço da Encantos da Lua. O "ser incorpóreo" queria conversar comigo e por isso teria pedido ao médium para fazer o contato.
Até aquele momento eu não tinha participado de nenhuma experiência mediúnica e achava que o contato com os Espíritos não passava de charlatanismo. Mas achei a ideia interessante e quis saber como era conversar com um suposto Espírito. Fomos até a sala onde as sessões de Reiki aconteciam e o médium deu “passagem” para o Espírito que começou a dialogar comigo. Este se apresentou como dr. Felipe, membro da equipe espiritual do dr. Bezerra de Menezes, e me passou várias informações. Porém, a que mais me intrigou, naquele primeiro encontro, foi quando ele disse que eu não precisaria fazer o curso para me tornar mestre de Reiki, que custava, na época, R$ 5.000,00. Esta informação me desconcertou, pois ninguém sabia que eu pretendia fazer tal curso, muito menos o médium que eu acabara de conhecer.
Minha intenção em fazer a formação para ser mestre de Reiki foi o fato de ter intuído (ou canalizado, em linguagem esotérica) uma das técnicas que formam atualmente a Terapia Vibracional Integrativa (TVI). Em 2001, eu a chamava de "mandala reiki", pois seria uma forma coletiva de auto-aplicação da técnica. Ela foi realizada durante vários meses na Encantos da Lua e também, experimentalmente, com professores de uma escola infantil particular, com alunos de uma escola de pré-vestibular, com pessoas com deficiência física e mental, e até mesmo com policiais militares.
O sucesso em sua realização me deu vontade de ensiná-la para outros reikianos. Porém, o mestre que me "sintonizou" na técnica me disse que apenas os que possuíam o título de mestre poderiam criar e ensinar novas formas de aplicação do reiki. Assim, para eu divulgar o "mandala reiki" eu precisaria ser um mestre e o valor do curso era, na época, de R$ 5.000,00.
Estávamos na véspera do curso quando o dr. Felipe, através daquele médium, disse que ele havia me intuído e se ofereceu para me ensinar tudo o que seria necessário para se "enviar energia" para as pessoas, livre de mistificação, charlatanismo e, o mais importante, de graça. Ao aceitar a proposta, ele me pediu para combinar com o médium reuniões semanais de aproximadamente 2 horas cada, assim que houvesse a "desincorporação". E estas reuniões aconteceram de 2001 a 2003 na Encantos da Lua e foi através delas que nasceu a Terapia Vibracional Integrativa (TVI), formada por técnicas de imposição das mãos, Meditações Integrativas e técnicas de Chi Kung, transmitidas por este Espírito e outros que se manifestavam através do mesmo médium e se identificavam com os seguintes nomes: Flor de Lótus (hindu), Folha Verde, Tupã e Pena Branca (indígenas), Pai Tomé (preto-velho) e Zezinho (criança ou erê, na linguagem da umbanda).
Segundo o dr. Felipe, supostamente eu já sabia tudo aquilo que ele me ensinava. Em tese, ele estaria me ajudando a se lembrar. Segundo ele, eu teria vivido como um monge budista na China, no século VIII, chamado Lao C'han Sui que já usava todas aquelas técnicas no mosteiro em que vivia.
É importante salientar que não foi somente eu que tinha essas aulas com os "espíritos". Minha companheira, na época, aprendia técnicas de massagem e acupuntura com eles e outros participantes da experiência aprendiam DO-IN e outras técnicas.
Apesar de ter sido uma experiência singular que me fez aceitar a hipótese de existir a vida após a morte, pois, supostamente, eu dialogava com um ser incorpóreo que me conhecia de "outras encarnações" e que afirmava ter sido alemão em sua última vida na Terra, tendo "desencarnado" na segunda guerra mundial, enquanto trabalhava no socorro aos soldados feridos, de ambos os lados do conflito, eu ainda não aceitava como plausível a reencarnação, nem mesmo como uma hipótese a ser considerada.
Esta aceitação, porém, aconteceu por volta de 2009, com outra experiência insólita e singular. Eu havia sido convidado para ministrar um curso de TVI em um centro espiritualista na cidade de Natal/RN, chamado Auta de Luz, cuja mentora espiritual, em tese, é o Espírito que viveu como Auta de Souza, uma poeta potiguar, do século XIX, que se tornou conhecida no meio espiritista brasileiro através dos poemas supostamente escritos por ela e psicografados por Chico Xavier.
Lá, um Espírito que se manifestava na forma de preto-velho, incorporado a uma médium, começou a me chamar em público de "bispo". Eu não entendia o motivo e até achava engraçado o fato. Porém, em particular, ele contou-me que eu havia encarnado na França, por volta do século XVII, e vivenciado a experiência humanizada na forma de um bispo católico. Naquela suposta encarnação eu teria me comprometido "carmicamente" por ter engravidado várias freiras e as forçado a abortar.
Acaso ou não, vários meses depois, uma mulher, funcionária na USP de São Carlos, procurou-me querendo fazer uma regressão de memória devido a alguns sonhos que ela tinha frequentemente. Eu evitava fazer tais experiências pois a maioria das pessoas deseja fazer uma "regressão" de memória por curiosidade e não por necessidade.
Mas ela insistiu tanto que combinei o seguinte: eu faria a regressão caso ela me autorizasse a escrever sobre os fatos que aparecessem durante a prática, caso fossem interessantes. Com seu consentimento, fizemos cinco sessões de duas horas cada, uma por semana. Logo na primeira, ela se viu como freira e começou a descrever situações muito semelhantes a que me foi passada pelo "preto-velho", na cidade de Natal/RN. E, na última regressão, ela disse meio sem jeito que o bispo que aparecia em suas lembranças teria sido eu.
Em nenhum momento eu falei qualquer coisa para ela que pudesse interferir em seu relato ou induzi-la. Mas, na última sessão, após ela falar que eu teria sido o bispo que aparecia em suas "recordações", confessei que estava considerando seriamente a hipótese de ser realmente o bispo da história por ela narrada e contei o que havia se passado alguns meses antes na cidade de Natal/RN.
Curiosamente, de 2009 à 2015, recebi, nos mais diferentes centros espiritualistas onde fui ministrar algum curso, informações sobre o suposto bispo, como se fossem peças de um quebra-cabeça. Com elas, cheguei ao bispo Jean Baptiste Louis Gaston de Noailles que viveu na França de 1669 a 1720. Em 2016, fui duas vezes a França para levantar mais informações sobre a vida desse bispo, além das disponíveis na internet, comparando as informações que obtive através de médiuns com as referências históricas sobre ele.
 Essa experiência, e outras que aconteceram posteriormente, convenceram-me, mesmo não provando, que a hipótese reencarnacionista deve ser levada em consideração, ou seja, pode ser que realmente sejamos Espíritos eternos vivenciando uma experiência humanizada, como afirmava CHARDIN, e que, talvez, não devemos nos referir à morte como sendo o oposto da vida. O oposto da morte parece ser o nascimento. Em outras palavras, pode ser que a vida seja una, ininterrupta, marcada, porém, por momentos de nascimentos e mortes, ou seja, por reencarnações.
Voltando às reuniões mediúnicas realizadas sob orientação do dr. Felipe, entre 2001 e 2003, elas foram de fundamental importância para se construir o corpo teórico da Animagogia, enquanto um programa educativo espiritualista e transreligioso, as técnicas da TVI, entre elas as de Meditações Integrativas, utilizadas nos projetos de anima-ação cultural promovidos pela ONGCSF.
Vou relatar algumas das reuniões mediúnicas e como elas foram importantes para se consolidar a Animagogia e seus ensinamentos. Para que pudéssemos compreender que a consciência humanizada pode se manifestar de duas formas bem distintas, porém, complementares: o ego (a consciência humanizada da "personalidade") e o Self (a consciência humanizada da "individualidade"), foi realizada com o grupo uma experiência bem singular. O dr. Felipe pediu para algumas pessoas levarem seus filhos para a reunião que aconteceria na semana seguinte. Cinco crianças com idade entre 1 e 3 anos de vida foram levadas por seus pais. Ao entrarem na sala onde a reunião aconteceria, todas as crianças, simultaneamente, dormiram. Eu fiquei sem entender o motivo. Até ironizei o fato, afirmando que a experiência daquela noite não aconteceria, uma vez que as crianças dormiam profundamente.
Todas elas ficaram deitadas em um canto da sala, sobre colchonetes, enquanto a reunião mediúnica acontecia como de costume. Naquela noite, vários desenhos e mensagens foram psicografadas por alguns médiuns e, assim que a reunião terminou, as crianças acordaram quase que ao mesmo tempo. Novamente, achei que tinha sido por acaso. Porém, o dr. Felipe disse ao grupo que todas as mensagens e os desenhos daquela noite haviam sido feitas por elas, as crianças. Supostamente, foram despertadas em Espírito, enquanto o corpo dormia, recuperaram a consciência da individualidade (Self), e se comunicaram através dos médiuns.
As mensagens transmitiam informações de cunho moral e orientações para alguns dos presentes que não poderiam ter saído da mente de uma criança em seu estado de vigília. Aliás, elas nem eram alfabetizadas ainda. O cérebro das crianças não seria capaz de processar as informações transmitidas. Enfim, as mensagens e os desenhos realizados contrariavam todo e qualquer conhecimento psicológico de fundo materialista e só poderiam ser explicados, aceitando a hipótese que foram os Espíritos das crianças adormecidas que realmente as transmitiram, se, de fato, uma outra consciência, muito mais ampla e que traz em si suas experiências passadas, estava ali se manifestando através dos médiuns.
Obviamente que não temos como afirmar categoricamente que o trabalho foi realizado por Espíritos e não pelo subconsciente dos médiuns. Mas, partindo da hipótese que de fato foram as crianças em Espírito que transmitiram as mensagens psicografadas e fizeram os desenhos, estávamos verificando as duas faces da consciência humanizada. A primeira, que se manifesta no estado de vigília, típica de crianças com idade entre 1 e 3 anos, atuando de acordo com as condições materiais do cérebro e sua capacidade de percepção e construção da realidade, e uma outra, que costuma ser chamada de Self, e que seria a consciência da individualidade, mas que, durante o estado de vigília, manifesta-se como o "inconsciente coletivo" de JUNG, ou, como preferimos, na forma de "transconsciente", termo utilizado por ELIADE.
Entender o funcionamento do ego é mais compreensível, pois é a consciência encarnada, que funciona durante o estado de vigília e processa as informações provenientes do mundo exterior, captadas pelos cinco sentidos, e é responsável pelas atividades psíquicas ditas normais, como o pensamento racional e as emoções, mas também, em sua dimensão "superior", pelas experiências psíquicas como a telepatia, a psicometria e também a mediunidade. O ego é o responsável pela percepção, no sentido proposto por MERLEAU-PONTY (1999), ou seja, relacionada com a representação que originará diferentes formas de apreensão e construção do mundo, em um processo intersubjetivo, uma vez que o mundo seria único para todos como afirma FIORI, em uma perspectiva fenomenológica, distinguindo esta da perspectiva proposta pelo solipsismo (idealismo) que afirma existir um mundo distinto para cada consciência e que, cada uma, projeta mentalmente a sua própria realidade:

A comunicação da consciência (a intersubjetividade) supõe um mundo comum. Se cada um constituísse seu mundo, esse não poderia ser a mediação para o encontro das consciências, e estas se comunicariam sem o mundo - o que não é o caso, pois somos seres encarnados - ou não se comunicariam. (2014, 59)

Por outro lado, além dessa consciência que chamamos de ego, há uma segunda, da qual a primeira deriva e que atua, predominantemente, durante o sono, e durante os estados "ampliados" de consciência. Esta é a responsável pela produção das atividades noéticas, na visão da Animagogia, e que são distintas das atividades psíquicas ordinárias, comuns no estado de vigília. Esta pode até ser capaz de se comunicar sem o mundo, como algumas experiências anômalas parecem sugerir. Mas, com raras exceções, ela se manifesta no estado de vigília. Quando isso acontece, é na forma de intuições que nunca sabemos de onde vêm ou como se formaram.
Em suma, no estado de vigília, e refletindo a partir da experiência mediúnica relatada, parece que somos dependentes do cérebro para processar a linguagem e outros processos psíquicos normais, como a própria percepção e criação da nossa identidade. Porém, o Self parece não depender do cérebro para se manifestar. Em outras palavras, a comunicação que o Espírito pode transmitir quando se encontra livre (entenda-se desencarnado) ou durante o sono, como no caso daquelas crianças, não se processa através do cérebro físico e pode manifestar uma consciência muito mais ampla e rica em informações (o transconsciente) pois não descarta as supostas experiências adquiridas, em tese, em outras existências, ou seja, em vidas passadas.
Porém, há também evidências que não basta morrer para nos tornarmos ou voltarmos a ser um Espírito plenamente consciente, ou seja, nos desligarmos completamente do ego para vivenciar nossa existência espiritual através do Self. Esse processo aconteceu com aquelas crianças, mas é comum verificar nos trabalhos de Animagogia com seres incorpóreos que acontecem através da Apometria, uma das técnicas utilizadas na ONGCSF, que muitos parecem permanecer iludidos com a personalidade vivida, mesmo depois de "mortos", mantendo os mesmos hábitos e interesses, ou seja, permanecendo presos ao ego construído para vivenciar sua última encarnação. É o que se verifica também nos atendimentos espiritistas chamados de "desobsessão" ou de "doutrinação".
Nos casos em que o Espírito ou, melhor dizendo, o ser humanizado incorpóreo  se encontra iludido, temos a impressão que, mesmo "desencarnado", a consciência da individualidade permanece adormecida nos seres que se manifestam mediunicamente em busca de socorro ou esclarecimento. Uma experiência mediúnica que vivenciei e que ajuda a pensar nesta questão, aconteceu da seguinte forma:
Em uma das primeiras reuniões que participei com o dr. Felipe, ele me informou que o médium que era utilizado como instrumento para sua manifestação realizava um trabalho de "doutrinação de Espíritos" e me convidou para assistir as reuniões que aconteciam na casa do médium e que passaram a ser realizadas na Encantos da Lua e também na ONGCSF, após sua criação. O dr. Felipe gostaria que eu escrevesse, se possível, um livro sobre a experiência. Estávamos ainda em 2001 e eu não tinha terminado o meu doutorado, mas aceitei a proposta e acumulei as duas pesquisas, a do doutorado e essa sob a supervisão do dr. Felipe.
Durante um ano e meio acompanhei as reuniões que o médium organizava com outras quatro pessoas e anotava cuidadosamente tudo o que acontecia nas reuniões que eram da seguinte maneira. O grupo se encontrava e após uma primeira oração e leitura de uma passagem do livro "O evangelho segundo o espiritismo", de Allan Kardec, acontecia a incorporação do médium que "dava passagem" ao dr. Felipe. Este, então, falava sobre o trabalho que aconteceria naquela noite. Por exemplo, informava se os seres humanizados incorpóreos que seriam atendidos tinham cometido suicídio ou o que estava causando sofrimento a eles do "outro lado da vida", na Psicosfera.
As reuniões eram sempre temáticas, ou seja, sempre com a presença de seres incorpóreos que enfrentavam o mesmo problema ou similares. Eventualmente, durante semanas, o tema era sempre o mesmo: apego material, suicídio, fanatismo religioso, entre outros.
Além de informar qual era o problema que seria tratado, o dr. Felipe, incorporado no médium, fazia uma pequena palestra, de aproximadamente 20 minutos, abordando a dimensão espiritual daquele tema. Por exemplo, no caso daqueles seres humanizados incorpóreos estarem sofrendo devido ao apego material e não aceitarem o fato de estarem "mortos", desejando permanecer na casa onde viviam, a palestra abordava a importância do desapego para a libertação deles.
E o trabalho consistia, basicamente, em dialogar com alguns, que se manifestavam através de um médium de incorporação, ou deixá-los se expressar através do desenho ou da escrita, quando era este o encaminhamento. Toda a organização do trabalho era conduzido pelo Espírito que se identificava como dr. Felipe.
Duas médiuns faziam as psicografias e os desenhos enquanto o médium que dava "passagem" ao dr. Felipe também costumava "incorporar" os seres que deveriam ser "doutrinados" naquela noite para que uma outra pessoa, que ali era identificada como "doutrinador", conversasse com eles. Diferentemente das práticas sociais de exorcismo onde, em tese, o Espírito é expulso, nos trabalhos de "doutrinação" eles são tratados como seres iludidos que precisam ser "esclarecidos" ou "evangelizados". Eles não são tratados como seres do mal, mas como ignorantes das leis espirituais.
Quase dois anos depois, após eu considerar ter reunido material suficiente para a produção do livro, conversei com o dr. Felipe se eu teria liberdade para escrever da minha maneira e ele disse que sim, afirmando que eu seria filósofo e não espírita. E foi assim escrevi meu primeiro livro que recebeu o seguinte nome: Educação após a morte - princípios de animagogia com seres incorpóreos, lançado no aniversário de um ano da ONGCSF e que teve três edições, em 2004, 2009 e 2011.
Na primeira reunião que tivemos, após o lançamento do livro, na ONGCSF, o dr. Felipe brincou comigo dizendo que o material ali impresso seria um sucesso no "plano espiritual", mas que, na Terra, ninguém leria. Não entendi a brincadeira e perguntei o motivo. E ele respondeu: “não é um livro de educação após a morte? pois é, quem vai querer lê-lo antes de morrer?”
Depois de rir da brincadeira, perguntei se ele tinha gostado do livro e sua resposta me desconcertou. Ele disse: “vai ajudar quem ler, mas para você não teve nenhum valor. Você não adquiriu nenhum mérito ao escrever esse livro”. Ao questionar o porquê, ouvi o seguinte: “Você escreveu o livro com orgulho e a intenção para o Espírito é mais importante que a ação”. Esse ensinamento moral me desconcertou, mas ajudou muito no meu próprio processo animagógico ou metanoico.
Essa experiência, porém, evidenciou que não basta desencarnar para, automaticamente, recuperar a consciência da individualidade, que seria o Self e que, durante a encarnação, se manifesta de forma "inconsciente", seja através de intuições e outros fenômenos noéticos. É o Self que teria condições de escolher seu gênero de existência e criar um novo personagem para vivenciar em sua próxima encarnação na Terra.  Porém, no retorno ao plano espiritual, em tese, muitos parecem iludidos pelo ego, a consciência da personalidade e passam a habitar a Psicosfera, onde estariam as "colônias espirituais", mas que ainda não seria o "verdadeiro" plano espiritual. Somente após a libertação plena do ego é que poderíamos avaliar e planejar novas encarnações, na perspectiva da Animagogia.
Uma outra experiência mediúnica vivenciada sob a orientação do dr. Felipe que gostaria de relatar, aconteceu no final de 2003. Não me lembro ao certo, mas acredito que cerca de 10 pessoas participaram naquela noite de uma vivência de “materialização” de pétalas de rosas. Ela serviu para se pensar na possibilidade de interferir nas leis naturais ou na dinâmica material da vida, ou seja, a produção dos chamados "milagres" tão comuns nos relatos populares e que movimentam cidades como Aparecida do Norte, no Vale do Paraíba, com milhares de peregrinos que vão agradecer por uma cura ou outra conquista para a qual atribuem a presença de uma força sobre-humana ou espiritual. Em suma, para compreender como a Biosfera está imersa na Psicosfera e esta, por sua vez, na Noosfera, onde se encontram as "causas", a Animagogia afirma que na Biosfera acontecem os "efeitos". Assim, quando necessário, são possíveis e permitidas intervenções, o que não significa que a mente projeta a matéria, como afirma o pensamento solipsista, uma vez que não é necessariamente a nossa vontade que altera a matéria, mas o "merecimento".
Vou relatar a experiência para melhor compreensão do que pretendemos discutir. Naquela noite, o dr. Felipe nos disse que estávamos recebendo um visitante ilustre, o dr. Bezerra de Menezes. Falou também que havia sido autorizado uma experiência diferente: uma experiência de efeito físico. A sala onde estávamos ficou muito gelada, apesar de não estarmos no inverno, e todas as luzes tiveram que ser apagadas. Aquela experiência só seria possível no escuro para não "queimar o ectoplasma" necessário para o experimento, disse o dr. Felipe.
Passado alguns minutos, algo começou a cair sobre as pessoas presentes. Quando foi autorizado acender as luzes, a sala estava tomada por pétalas de rosas. Mais de 200 pétalas estavam espalhadas pelo chão.
Segundo o dr. Felipe não se tratou de uma materialização propriamente dita, que seria também possível, mas que exigiria muito mais energia. O que ali tinha acontecido seria um “fenômeno de transporte”, ou seja, rosas reais ou materiais teriam sido colhidas em algum local da cidade e tiveram suas moléculas alteradas por forças espirituais para ficarem invisíveis. Em seguida, foram trazidas até a sala e novamente tornadas visíveis, passando a sofrer o processo biológico natural, ou seja, começando um processo de degradação.
Algumas pessoas plastificaram suas pétalas; outros guardaram em geladeira... aquelas que ficaram ao sabor do tempo começaram a secar e se desintegraram naturalmente alguns dias depois.
Obviamente que as pessoas que não estavam presentes na experiência podem afirmar que houve fraude, que o médium levou as pétalas escondidas para jogar nas pessoas, entre outras conclusões. Porém, considerando essa hipótese nula, podemos afirmar que ela demonstra ou evidencia que, em alguns casos, seria possível uma intervenção espiritual sobre a matéria, o que resultaria em curas consideradas milagrosas. Segundo o dr. Felipe, uma intervenção como essa para acontecer necessita de três elementos:
1 ) a presença em certa quantidade de uma energia que apenas os seres encarnados possuem, pois ela seria produzida pelo corpo físico, e que é chamada no meio espiritualista de "ectoplasma". Segundo ainda o dr. Felipe, os chamados "médiuns de efeito físico" são os que a produzem em grande quantidade, daí a necessidade deles para a materialização ou outros efeitos físicos acontecerem. Em tese, eu seria um "médium de efeito físico";
2 ) o auxilio de um Espírito ou de uma equipe espiritual com conhecimento para manipular essa energia, inclusive, realizando curas espirituais e, finalmente;
3 ) a permissão divina ou dos chamados "espíritos superiores" que teriam acesso à Deus. Sem tal permissão, o efeito físico não aconteceria. Isso explicaria porque não bastaria pensar para um efeito físico qualquer acontecer. Mas se houver a permissão, pode ser que venha, de fato, a acontecer. No meu caso, nas primeiras experiências vivenciadas no final do século XX, eu não tinha a intenção de acender luz ou abrir portas, mas o ectoplasma que eu produzia era utilizado para fazê-los acontecer.
Obviamente que não temos como afirmar se tal ensinamento é verdadeiro ou não, mas a faticidade da "materialização" de pétalas de rosas aconteceu na presença de várias pessoas. Apesar da ausência de luz "para não queimar o ectoplasma", não havia, como salientei, nenhum indício de fraude, ou seja, de que o médium teria ido para a reunião com centenas de pétalas escondidas para jogar sobre as pessoas.
Enfim, essas experiências relatadas acima e outras que vivenciei entre 2001 e 2003 foram fundamentais para o nascimento da Animagogia, enquanto um programa educativo espiritualista e transreligioso, e da própria ONGCSF onde a Animagogia começou a ser colocada em prática. Com a criação da ONGCSF, essas reuniões mediúnicas experimentais foram diminuindo e sendo substituídas por reuniões de Apometria, nome do trabalho ainda hoje realizado de Animagogia com seres incorpóreos.
De forma geral, a Animagogia, como já foi salientado, compreende e parte do ponto de vista fenomenológico sobre a relação mundo/consciência. Ou seja, tem como pressuposto que o mundo material existe, não se tratando de uma ilusão ou de uma projeção da mente (a consciência pura), como afirmaria o pensamento solipsista, para o qual bastaria pensar para acontecer tudo o que desejarmos. Mas também rompe com o empirismo materialista, para o qual a consciência não passaria de um epifenômeno da matéria orgânica, refletindo o mundo material, e que deixaria de existir com a morte física.
As duas perspectivas acima, o solipsismo e o empirismo, não parecem dar conta de explicar a faticidade das experiências medianímicas acima apresentadas. Obviamente que não é possível reproduzir em laboratório, na hora que quisermos, uma "materialização" como a descrita, uma vez que elas, em tese, só acontecem quando há a permissão do "outro lado", como afirmou o dr. Felipe.
Assim, para a Animagogia, apesar do mundo material existir e ser apreendido de forma distinta por cada Espírito humanizado encarnado, ele parece ser subordinado ao mundo espiritual ou invisível, que talvez seja o plano da "ordem implícita" das teorias de David BOHM (2008). As leis naturais, para a Animagogia, servem a um propósito numinoso ou hierofânico e não são revogadas ao bel prazer do pensamento. Ou seja, não bastaria simplesmente pensar para acontecer o que desejamos em nossa vida cotidiana, como se a matéria não tivesse leis próprias regulando o seu funcionamento. Porém, em alguns casos, a Animagogia defende ser possível que através de orações, mentalizações ou outras práticas espiritualistas, a cura de uma enfermidade física, por exemplo, aconteça. Mas, para isso, parece haver a necessidade dos três elementos apontados acima na fala do dr. Felipe.
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As experiências mediúnicas vivenciadas por mim e descritas acima não provam, obviamente, a sobrevivência da alma. Todas elas podem ser explicadas como alucinação coletiva, manifestação do subconsciente ou outra explicação que ignore a realidade e a sobrevivência do Espírito. Mas elas foram importantes para a formulação da Animagogia, o programa educativo realizado através dos diferentes projetos de anima-ação cultural realizadas na ONGCSF, entre eles, a Gerontagogia Holonômica, que vamos abordar neste estudo e que se trata de um projeto de anima-ação cultural com adultos e idosos.
De certa forma, ao participar dessa prática social mediúnica, mais intensa entre os anos de 2001 e 2003, acabei, mesmo não conhecendo, utilizando o método proposto pela Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos, pois vivenciei o convite feito pelo dr. Felipe da forma sugerida por OLIVEIRA:

envolver-se pelo trabalho, a vontade de melhor conhecer, o saber e o sabor da convivência, nos remete a pensamentos e sentimentos, que do nosso ponto de vista não são antagônicos à rigorosidade científica, ao contrário, atribuem ao fazer ciência um especial rigor: amorosidade, acolhimento, indignação, esperança, simplicidade, colaboração. Um desejo de tornar-se mais humano, de humanizar-se no sentido de vida mais justa. Por essas razões, com essas posturas e por esses meios, buscamos conhecer e compreender processos educativos próprios a práticas sociais (2014, p. 43).

E foi como pesquisador-participante dessa prática social mediúnica, que contribui, modestamente, na sistematização da Animagogia que passou, ao longo dos anos, por três momentos distintos, mas complementares. Inicialmente, ou de 2003 a 2005, a expressão Animagogia identificava apenas o trabalho de educação espiritual com seres incorpóreos, semelhante ao descrito acima, mas que, em 2004, passou a se servir também da Apometria, uma técnica de captação psíquica criada por um médico espiritista chamado dr. Lacerda.
Em 2005, além do trabalho com os seres incorpóreos, o termo Animagogia passou a identificar todo o programa educativo realizado na ONGCSF com os seres humanizados encarnados e cujo objetivo passou a ser o despertar dos atributos do Espírito, em suma, ajudar a desabrochar o Homo spiritualis na vida cotidiana. Esse processo animagógico passou a ser realizado através de projetos de anima-ação cultural, como já salientamos. O que motivou essa expansão do conceito foi pensar que seria perda de tempo começar esse processo educativo espiritualista somente após a morte, com os seres humanizados incorpóreos. Na perspectiva adotada pela ONGCSF, se o ser humanizado encarnado fizesse seu processo animagógico ainda na Biosfera, despertando os atributos que já se encontram dentro dele, vivenciando sua experiência humanizada e encarnada como um Homo spiritualis, não precisaria da Animagogia após a morte. Essa nova conceituação ampliou o trabalho da ONGCSF a partir de então, surgindo novos projetos.
E uma terceira concepção de Animagogia, bem mais recente e ainda pouco utilizada, é na forma de método para pesquisa, seja no campo da ciências das religiões ou para o ensino religioso escolar, como foi sugerido em Maio de 2015, por um professor da UFPB, quando ela foi apresentada no I Congresso Lusófono de Ciências das Religiões. Neste evento apresentei uma comunicação sobre as bases metafísicas da Animagogia, expondo as quatro dimensões (biosfera, psicosfera, noosfera e espiritual) e como elas são pensadas a partir do holomovimento sugerido por David BOHM, e a relação de cada uma das dimensões com o imaginário, a mentalidade e a representação.
Um professor da UFPB, presente no GT em que apresentei minha comunicação, disse que ali se encontrava um método de pesquisa, sugerindo que cada religião ou grupo espiritualista possui sua própria Animagogia, ou seja, uma forma peculiar de buscar despertar os atributos do Espírito. Dentro dessa perspectiva, ainda em 2015, apresentei na UFPB, no curso de Ciências da Religião, uma oficina sobre a Animagogia da Umbanda, aplicando o método acima descrito.
Atualmente, na ONGCSF, o termo Animagogia identifica e é utilizado para se referir ao trabalho animagógico com seres humanizados incorpóreos, com os seres humanizados encarnados, através de diferentes projetos de anima-ação cultural que visam despertar nestes os atributos do Espírito que são universais e, também, para estudar como as religiões e demais filosofias espiritualistas realizam seus processos educativos visando despertar os atributos do Espírito, de forma que mais pessoas vivenciem sua experiência humanizada com habilidade espiritual, ou seja, com mais paz interior, com mais equanimidade diante das vicissitudes da vida, com mais felicidade e com mais amor a si e ao próximo.
Neste trabalho estamos enfatizando o seu segundo significado, ou seja, os processos sócio-espirituais e educativos que a ONGCSF promove para atingir esse objetivo  que nasceu e foi sendo sistematizado ao longo das reflexões realizadas nas reuniões mediúnicas que, como afirmei, foram mais intensas entre os anos de 2001 e 2003, mas também nos Encontros Homospiritualis de Educação e Cultura para a Paz, realizados entre os anos de 2001 e 2013, na cidade de São Carlos/SP e nos Encontros de Animagogia que aconteceram em diferentes cidades brasileiras entre 2009 e 2016.
Por não ser uma doutrina religiosa, mas um processo educativo espiritualista, a Animagogia é transreligiosa e laica (ou seja, não nega ou entra em contradição com as religiões, ao contrário, ajuda a promovê-las). Seus pressupostos básicos e suas teorias são revistas em eventos organizados para este fim onde são apresentados, por exemplo, novos projetos de anima-ação cultural.
No caso dos Encontros Homospiritualis de Educação e Cultura para a Paz,  diferentes religiosos, espiritualistas, filósofos, artistas, entre outros estudiosos foram convidados para apresentar suas contribuições, visando propiciar a compreensão ativa da visão religiosa e espiritualista do Outro, estimulando o respeito e a tolerância. Entre os temas abordados nos diferentes encontros, podemos citar como significativos os estudos sobre o Evangelho de Tomé, o Dharmapada, a Oração de São Francisco, a Umbanda, a Bhagavad Gita, além de diferentes cursos, oficinas e atividades culturais como apresentações de cantos devocionais, mostras de filmes etc., dentro do espírito proposto pelo manifesto da UNESCO de "ouvir para compreender".
Derivando-se deste encontro, o Programa Homospiritualis, a partir de 2010, passou a organizar um novo evento: o Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa. Este nasceu da necessidade de estabelecer uma reflexão e um campo de atuação política em defesa da diversidade e da liberdade de expressão religiosa, visando, inclusive, garantir a laicidade do Estado. Em 2010, o fórum escreveu o "Manifesto pela Tolerância e pela Paz em São Carlos”, revisto e ampliado em janeiro de 2014. O fórum passou a ser realizado, anualmente, no dia 21 de janeiro, considerado pelo governo federal como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O Fórum também é responsável pelo Observatório Social da Liberdade e da Tolerância Religiosa em São Carlos, que reúne religiosos de diferentes credos.
Porém, entre os trabalhos mais singulares realizados pelo Programa Homospiritualis e que permitiram uma liberdade radical para a expressão de experiências espirituais e animagógicas se encontram os projetos de pesquisa denominados  “Cultura de Paz e Mediunidade” e “História Oral e Transcendentalismo: imagens e imaginário do invisível”.
O primeiro foi realizado através da entrevista com supostos Espíritos, através de vários médiuns residentes ou não na cidade de São Carlos/SP, sendo a maioria deles considerada "inconsciente", ou seja, em tese, pessoas sensitivas que entram em transe para que um suposto Espírito se manifeste, mas não se lembram de absolutamente nada do que foi dito ou realizado durante a experiência. Este recurso metodológico utilizado para as pesquisas foi chamado de Espiritologia, e consiste no uso dos recursos e técnicas da História Oral para se entrevistar os supostos Espíritos. Entre eles, podemos citar um que se identifica como preto-velho, utilizando o nome de Pai Joaquim de Aruanda. Ele foi entrevistado em 9 encontros, entre os anos de 2005 e 2008, totalizando cerca de 32 horas de gravação. As entrevistas foram registradas em vídeo e trechos podem ser acessados no youtube, como o momento do transe mediúnico ou partes de seu depoimento. Com o material da entrevista a ONGCSF lançou em 2008 um livreto denominado "Umbanda: manifestação cultural pós-moderna", durante o VIII Encontro Homospiritualis de Educação e Cultura para a Paz, que abordou o centenário da Umbanda, e relançado em 2016. Também editou, em 2009, uma versão e-book do livro "História Oral, Imaginário e Transcendentalismo: mitocrítica dos ensinamentos do espírito pai Joaquim de Aruanda", publicado na forma impressa em 2011, na coleção de livros chamada "Cultura de Paz e Mediunidade", e reimpresso em 2015 para ser lançado no I Encontro Umbanda, Cultura de Paz e Educação Popular, realizado na cidade de Lisboa, em Portugal.
Por sua vez, o segundo projeto foi realizado com diferentes médiuns em seu estado de vigília, também utilizando a História Oral. A ideia central foi buscar compreender a história de vida das pessoas que dizem ter a sensibilidade para ver, ouvir ou dar "passagem" para os Espíritos, "cedendo" seus corpos para que os mesmos possam se comunicar. Durante a coleta dos depoimentos, um tema chamou a nossa atenção: a afirmação por parte de alguns médiuns de que já tiveram experiências reencarnatórias como homem e como mulher. A partir destes depoimentos foi publicado o livro Gênero e Espiritualidade: uma introdução ao estudo das imagens e do imaginário do invisível, em 2011. E foi também através destes depoimentos com várias "narrativas visionárias" que nasceu o interesse em atuar social e politicamente para superar o preconceito e a estigmatização que vários médiuns ainda sofrem, sobretudo os que atuam na Umbanda, buscando compreender a mediunidade não mais como loucura ou esquizofrenia e nem como produtora dela.
A ONGCSF foi criada em março de 2003 e fui um dos seus sócios-fundadores. Entre os anos de 2005 e 2006 assumi o cargo de coordenador geral, fato que se repetiu entre 2013 e 2014. Porém, até o momento, não deixei de ser um voluntário, atuando nos atendimentos com a Apometria e ministrando cursos de capacitação em Meditação Integrativa, entre outros projetos de anima-ação cultural promovidos por ela. E a vontade de realizar essa pesquisa de pós-doutorado surgiu em 2013 após descobrir a existência do projeto MAPEPS, na UFSCar, e a chamada Educação Popular em Saúde (EPS), que é um dos campos para estudo na Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos, também na UFSCar, no qual, conforme afirma uma das criadoras, a professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e SILVA (2014, p.20), o "compromisso social não é incompatível com produção científica".
Acreditando nesse pressuposto e percebendo a presença de vários laços e afinidade entre minha trajetória acadêmica e humana com os objetivos do grupo, resolvi apresentar um projeto de pesquisa de pós-doutoramento na Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos, aprovado para ser realizado entre maio de 2015 e novembro de 2016.
O objetivo inicial desta Linha de Pesquisa, como afirmou SILVA (ibdem, p.20), foi estudar práticas sociais não escolares, pois há "processos educativos, maneiras de aprender distintas das valorizadas pelo sistema escolar e que se situam dentro das escolas e das salas de aula". E como a Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos foi criada com o objetivo de "conhecer, estudar, pesquisar condições e oportunidades de vida e, portanto, de aprendizagem que nossos alunos tinham e que eram exteriores à escola, embora ali encontrassem em expressões e raciocínios [visando] apreender e aprender expressões e raciocínios usualmente não valorizados nas escolas" (SILVA, ibdem, p.20), considerei que a mesma seria adequada para estudar a experiência que venho construindo com a população idosa que apresenta um potencial psíquico que costuma ser associado preconceituosamente à doença mental ou ao "demonismo" e cuja prática da Meditação Integrativa vem demonstrando ser um importante recurso para a diminuição de "transtornos psíquicos" apontados por essa população, apesar do foco da Meditação Integrativa ser o autoconhecimento e não necessariamente o terapêutico.
No plano metodológico, a Linha de Pesquisa valoriza as peculiaridades e as históricas experiências vivenciadas nas diferentes práticas sociais latino-americanas e cabe aos pesquisadores interessados em participar da mesma "escolher uma prática social, buscar meios para dela fazer parte e se esforçar para identificar, compreender e descrever processos educativos que chegassem a observar." (SILVA, ibdem, p. 21)
Como salientarei, eu não escolhi, mas fui convidado de uma forma singular para fazer parte de uma prática social espiritualista, tornando-me, inclusive, membro efetivo do grupo que criou a ONGCSF e também a Meditação Integrativa, vivenciando, plenamente, a proposta metodológica dessa Linha de Pesquisa que pode ser sintetizada da seguinte maneira:

Entendemos que as pesquisas junto a pessoas e grupos, principalmente os socialmente "marginalizados", devem ser realizadas após cuidadosa e paciente inserção dos pesquisadores na comunidade, na instituição, no espaço social, num conviver, realizada em interação e confiança. Essa inserção deve se dar na tentativa de assumir o lugar de um integrante, procurando olhar, identificar e compreender os processos educativos que se encontram naquela prática social. Isso só é possível quando somos acolhidos, nos dispomos a ser acolhidos e a acolher. Participar com a intenção de compreender, não para julgar. Esta inserção é insuficiente se ficar apenas no olhar e não houver participação ou se ficar apenas na procura de resultados, sem se perguntar sobre o processo. (OLIVEIRA et al, 2014, p.39)

Em suma, acredito que a perspectiva compreensiva, dialógica, fenomenológica e participativa que a Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos estimula nos pesquisadores favorece a realização da pesquisa aqui proposta e que visa refletir sobre a constituição da ONGCSF, de sua fundamentação ético e política e como ocorre sua práxis educativa chamada de animagogia para, por fim, compreender a ação da Meditação Integrativa em um grupo de idosos que se singularizam por serem médiuns atuantes em centros espíritas, em terreiros de umbanda, de forma independente em suas casas e, até mesmo, de forma laica e transreligiosa na própria ONGCSF.
Os depoimentos foram coletados entre os anos de 2008 e 2015, sendo que alguns estão disponíveis na internet, em um canal do youtube chamado animagogiabrasil, e outros foram já inseridos em trabalhos acadêmicos apresentados entre os anos de 2009 e 2013, e também no livro Gênero e Espiritualidade: introdução ao estudo das imagens e do imaginário do invisível, publicado em 2011, pela Editora RiMa, ao qual já fizemos referência.
Posso afirmar que meu processo metanoico ou animagógico teve início em 1999, uma vez que,  até a segunda metade da década de 1990, eu me considerava ateu e acreditava no suposto poder de "libertação" que a ciência positivista, materialista histórica e tecnicista manifestava. Naquele momento passei a vivenciar um processo de derrelição com o marxismo e outras perspectivas fortemente associadas ao ideal moderno iluminista e eurocêntrico, mas ainda acreditava que a religião alienava as pessoas. Porém, meu desencanto pleno com o marxismo oficial e uma mudança profunda de perspectiva aconteceu, em 1999, quando se completaram 40 anos da luta dos tibetanos para se libertarem do domínio da China comunista e foi lançado o programa da UNESCO para a cultura de paz.
Se até aquele momento eu ainda via o comunismo como o instrumento para libertar a humanidade, meu envolvimento ou empatia com o povo tibetano me fez reavaliar essa posição, sem, necessariamente, abandonar a crença nos valores da "esquerda", porém, de uma nova "esquerda" fundamentada na democracia, na ética, nos direitos humanos e no respeito ao meio ambiente e às leis naturais. A destruição das tradições culturais e religiosas dos tibetanos pelo comunismo chinês me fez compreender, de fato, que o valor da alteridade e do respeito ao Outro devem nortear um projeto de socialismo democrático.
De forma geral, a ONGCSF através de seus vários projetos de anima-ação cultural tem como objetivo proporcionar aos participantes uma mudança de sensibilidade ou metanoia, ou seja, contribuir para torná-lo mais feliz, resiliente, respeitar quem pensa e age de forma diferente, além de superar o medo da morte e vivenciar, com uma consciência espiritual, sua experiência humanizada. Em outras palavras, superando o Homo profanus, o "modo de ser no mundo" preponderante na modernidade para dar vazão plena a sua essência, ao Homo spiritualis.
E esses objetivos da ONGCSF acabam por se misturar com minha trajetória acadêmica. Entre os anos de 1999 e 2003, na Faculdade de Educação da USP, realizei meu doutorado, uma tese foi denominada Nossas lembranças mais pessoais podem vir morar aqui: sociagogia do (re)envolvimento e anima-ação cultural, na qual procurei refletir sobre a questão da memória sociocultural do idoso e sua dimensão imaginária, levantando os possíveis universos míticos presentes em um grupo de idosos frequentadores do SESC, na cidade de São José do Rio Preto, valorizando um processo criativo "neg-entrópico", ou seja, que fosse capaz de ir além da normatização burocrática e da rotinização alienante, favorecendo a abertura ao imponderável, ao indizível, ao caótico, ao paradoxal enquanto processos educativos para uma ação cultural vivenciada de forma aberta e inconclusa.
No doutorado, porém, não tive coragem de adentrar mais profundamente no tema espiritualidade, com o qual começava a me interessar e me envolver com mais entusiasmo, apesar de ter cunhado o termo "anima-ação cultural" para identificar programas de ação cultural que tivessem bases espiritualistas ou que oferecessem atividades espiritualistas como Yoga, Danças Circulares Sagradas, Meditação, entre outras. O hífen, neste caso, foi inserido de propósito para diferenciar tais propostas da animação cultural propriamente dita.
Fazendo o doutoramento e participando das reuniões mediúnicas descritas acima e que foram fundamentais para a criação da ONGCSF, não foi difícil integrar no processo de gestação da Animagogia as ideias centrais de Paulo FREIRE, sobretudo, a sua crítica ao modelo social desumano e educacional narrativo/dissertativo, cuja relação mestre/educando é a referência opressiva do "sujeito ativo" e do "objeto passivo", denominada como "educação bancária", contra a qual  propõe uma educação dialógico-problematizadora na qual "ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo" (1983, p.79).

Podemos compreender em seu pensamento o caráter existencial dos processos educativos que elegem a vida cotidiana como o palco em que se manifesta ou um projeto de dominação ou um projeto de libertação. Em se tratando da relação entre os membros de uma família, entre professor e aluno, entre classes sociais ou outra qualquer, faz-se mister superar toda relação de dominação verticalizante e opressora, construindo um diálogo entre sujeitos autônomos, igualmente livres, mesmos princípios que o Espírito dr. Felipe e também o preto-velho pai Joaquim de Aruanda sempre buscavam nos transmitir. 

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