CAPÍTULO 05

está a escola preparada para acolher um aluno médium?

Encontramos registros de fenômenos mediúnicos desde a Antiguidade, em todas as culturas populares e tradições religiosas. Em alguns contextos socioculturais a mediunidade é aceita com naturalidade e, em outros, como algo a ser combatido, como, por exemplo, no Antigo Testamento.
Apesar do DSM-4 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª edição, da Associação Psiquiátrica Americana) ter incluído a categoria Problemas Espirituais e Religiosos para estudar melhor esse assunto, ainda predomina no discurso acadêmico a interpretação da mediunidade como fraude, charlatanismo, psicopatologia, delírio, alucinação, entre outros diagnósticos, o que dificulta uma melhor compreensão do fenômeno quando ele se manifesta, por exemplo, em alunos em idade escolar, uma vez que o caso é tratado, quase sempre, como esquizofrenia ou outros transtornos mentais. Quando a hipótese espiritual é aventada, com frequência é associada ao "satanismo", sobretudo por professores e diretores de escola evangélicos.
A mediunidade não é um fenômeno que deve ser estimulado, ela deve eclodir naturalmente e, por acaso ou não, há vários relatos de pessoas que vivenciaram a eclosão dela justamente no ambiente escolar. E nossa hipótese, baseada em mais de 12 anos de estudo e prática da mediunidade laica, é que ela não é uma patologia, constituindo-se em um problema apenas quando acontece de forma descontrolada, quando o médium não tem nenhum controle sobre o fenômeno, o que costuma acontecer no inicio do processo ou em casos de "obsessão". Porém, quando o médium domina e compreende as leis que regem o fenômeno, consegue ter uma vida cotidiana normal e saudável.
Obviamente que não é o caso de uma criança em idade escolar. Esta não tem a maturidade suficiente para isso e, portanto, necessita de auxilio, tanto dos profissionais da saúde e da educação, como de grupos espiritualistas sérios e preparados para lidar com o problema se a eclosão de traços medianímicos acontecerem justamente dentro do ambiente escolar.
Essa problemática é pouco discutida no meio acadêmico, muito mais por preconceito do que por falta de necessidade, uma vez que o problema nunca deixou de acontecer. E os casos que aparecem no ambiente escolar, com frequência são tratados como casos de psiquiatria, ou seja, o problema é tratado como doença mental e não como um "problema religioso e espiritual". Talvez venha daí a falsa impressão que o problema não existe ou não interesse estudar na Educação.
As narrativas visionárias ou místicas são abominadas pelo racionalismo moderno. E talvez o clássico do racionalismo seja o livro Sonhos de um visionário, de Emmanuel KANT que visa combater o "misticismo obscurantista", atacando Swedenborg, o "vidente de espírito". A intenção de KANT, com este livro, era acabar com os "devaneios metafísicos", com as "sociedades fictícias" e com as "viagens imaginárias". Para ele, nada do que narram os videntes seria verdade. E afirma:

Confesso que todos os contos sobre a aparição de almas defuntas ou sobre influxos espirituais e que todas as teorias de caráter conjectural sobre a natureza dos seres espirituais e da sua ligação conosco, pesam sensivelmente apenas no prato da esperança ao passo que, em contrapartida, no da especulação, parecem duma consistência absolutamente aérea. (op.cit., 87)

A mediunidade, porém, é uma prática social milenar, como já salientamos. Todas as culturas possuem pessoas que servem de intermediárias com o chamado plano espiritual. Foram chamadas de pitonisas, oráculos, profetas etc. E é importante distinguir a mediunidade da doutrina espírita ou da Umbanda, religião medianímica brasileira. Elas se fundamentam na prática mediúnica, mas esta também está presente no taoismo e em outras religiões. Além disso, muitas pessoas exercem a mediunidade de forma laica, sem vínculos com religiões.
A questão fundamental é que a mediunidade não depende de classe social, grau de escolaridade, gênero etc. Além disso, ela pode eclodir na vida de uma pessoa em qualquer idade, seja em crianças e até mesmo em idosos.
E é interessante assinar que, no mesmo livro, KANT escreveu que talvez as experiências ocultistas com os Espíritos fossem falsas, mas não charlatanismo. Para Kant o contato com o mundo dos Espíritos era o resultado de uma perturbação da inteligência, de alguma afecção patológica dos sentidos e da imaginação. Esse processo resultaria em representações simbólicas de um além impossível de ser atingido pelas mentes normais.
E, apesar de classificar as visões e audições descritas por SWEDENBORG como algo “patológico” apresentará uma hipótese bem “complexa” para um filósofo racionalista do século XVIII. Para ele, tais “patologias” poderiam, de fato, ter uma causa espiritual. Ou seja, KANT chega a admitir que os Espíritos (os mortos) poderiam influenciar ou perturbar as faculdades normais dos “vivos”. Dessa forma, o filósofo prussiano chegou a admitir a possibilidade de haver uma relação entre o “mundo dos vivos” e o “mundo dos Espíritos”, mesmo que isso produzisse um efeito patológico sobre as faculdades mentais dos primeiros. KANT reconheceu que essa sua hipótese transporia os limites da racionalidade de sua época.
Refletindo sobre as “alucinações” de SWEDENBORG, KANT elaborou uma teoria sobre os Espíritos que seria, aproximadamente, a seguinte:
1 - os Espíritos seriam seres que ocupam o espaço físico sem o preencherem (algo semelhante é dito para KARDEC por um suposto Espírito no livro O céu e o inferno).
2 - Eles habitariam um mundo supra-sensível e formariam uma comunidade de seres racionais. Para se conhecer tal comunidade, no domínio da experiência, só haveria um caminho: através do “mundo moral”. Para KANT, na medida em que nos sentimos descontentes em viver presos aos nossos desejos sensoriais e reconhecemos que somos dependentes de uma Lei e de uma vontade que nos vem do exterior, somos atravessados por uma exigência que funda uma comunidade interdependente, à maneira de uma atração universal entre o mundo sensível dos homens e o supra-sensível dos Espíritos, ou seja, dos "mortos".
Mas a fascinação de KANT pela “intuição alucinada” de SWEDENBORG, que afirmava conversar cotidianamente com os "mortos", fez com que ele antecipasse algumas das premissas que o espiritismo de KARDEC revelaria no século seguinte. KANT afirmou que os Espíritos, apesar de não estarem efetivamente no espaço, utilizam-se dos pensamentos humanos e suas ideias são revestidas pela aparência do mundo sensível. Em suma, o mundo dos Espíritos, segundo KANT, continuaria sendo o mundo das representações humanas.
E KANT chegou também a escrever que SWEDENBORG seria, de fato, um “oráculo dos Espíritos” e que teria o seu “ser interior” aberto. Ou seja, ele podia ser “tomado” pelos Espíritos. Porém, a relutância de KANT em colocar do mesmo lado o idealismo dos metafísicos e o “delírio” dos ocultistas, particularmente, de SWEDENBORG, levou-o a tentar definir os limites entre a razão dos metafísicos e a "loucura" dos ocultistas
Reconhecendo ser pretensioso não acreditar em nada do que SWEDENBORG escrevia e, ao mesmo tempo, acreditar em tudo sem um exame mais rigoroso da razão, KANT afirma que seria capaz de sustentar os devaneios do ocultista se alguém contestasse sua possibilidade. E, como uma espécie de censor, recomenda para as mulheres, sobretudo, as grávidas, não entrar em contato com as informações referentes ao estado dos espíritos após a morte, uma vez que a diversidade de formas espirituais presente nas visões de SWEDENBORG poderia assustá-las.
Talvez o erro de KANT tenha sido o de classificar como patológica essa relação com os Espíritos. KANT não descarta a possibilidade da vida existir após a morte, mas vai afirmar que esse contato com o "mundo dos Espíritos" pode desencadear "alucinações", como as descritas por SWEDENBORG.
No livro Fenomenologia da atividade representativa, o psiquiatra Isaias PAIM descreve os tipos de alucinações (auditivas, visuais, olfativas, gustativas, táteis, neurovestibulares, pseudo-alucinações etc.) e apresenta as diferentes teorias para se entender a patogenia delas. No que se refere a teoria fenomenológica, centra sua análise na perspectiva que SARTRE apresenta no livro O imaginário, concluindo que a interpretação deste é limitada por faltar-lhe a experiência da clínica e a convivência com os "enfermos alucinados".
Concordando com esta interpretação, mas considerando que muito do material psíquico produzido por médiuns não é alucinação, mas sim um contato real com a psicosfera, em alguns casos com a noosfera e com o plano espiritual propriamente dito, apresentarei alguns casos relatados por médiuns, hoje na terceira idade, e que relatam diferentes problemas enfrentados durante a infância e que, por falta de conhecimento e orientação dos pais, professores e profissionais da saúde, tiveram sua educação escolar profundamente prejudicada. Apresentarei também o caso de uma idosa cuja mediunidade eclodiu na terceira idade, causando alguns transtornos em sua vida, mas rapidamente superados quando aceitou a faticidade do fenômeno e se engajou em uma prática social espiritualista, e outros casos que nos ajudam a entender melhor o fenômeno mediúnico.
Estes relatos já foram expostos em trabalhos apresentados em alguns eventos, como o "XI Fórum Nacional de Coordenadores de Projetos da Terceira Idade de Instituições de Ensino Superior", em Recife, no ano de 2009; também no ciclo de debates "Cultura de paz, mediunidade e direitos humanos", em 2010, realizado no centro de cultura afro-brasileira Odette dos Santos, na cidade de São Carlos; e no "V seminário arte e imaginário na educação: imaginário, arte e educação da alma", na UFMA, em 2014, entre outros.
Começarei pelos depoimentos de idosos que desde a infância manifestam esse potencial psíquico em suas vidas e como a mediunidade foi interpretada de forma errônea, prejudicando profundamente sua educação escolar, pois tiveram que abandonar a escola em função desse "problema" de saúde.
O primeiro que vamos apresentar é do senhor CR. Ele narra que, na infância, sofreu por causa da mediunidade ostensiva e da "obsessão" que sofria, sendo diagnosticado, na juventude, como esquizofrênico, fato que o fez perder alguns anos de estudo. Ele só teve domínio de sua mediunidade de clarividência por volta dos 40 anos de idade. Hoje, ele afirma, não tem mais medo de nenhum tipo de Espírito e os vê e os ouve perfeitamente. Porém, na infância, por ignorância da família, dos professores e dos profissionais da saúde que o atenderam, sofreu muito. Ele afirma que o período mais difícil foi quando estava na sexta série. Naquela época, quase que diariamente, sofria com fortes dores de cabeça. Sua família exigia que fosse para a escola assim mesmo, mas não conseguia prestar atenção às aulas.
Ao ser encaminhado pela escola para fazer alguns exames, nenhum problema físico foi constatado. Para os seus professores e para os profissionais da saúde que o atenderam, tudo não passava de fingimento. Desesperado, abandonou os estudos.
Por volta dos 18 anos de idade começou a ver e ouvir os espíritos com nitidez e procurou ajuda psiquiátrica. Ele foi rotulado como esquizofrênico e passou a tomar medicamentos que alteravam sua sensibilidade e o prejudicava no trabalho. Por volta dos 23 anos de idade parou de tomar os medicamentos por conta própria e foi procurar auxílio nas religiões. Frequentou igrejas evangélicas, terreiros de umbanda, centros espíritas etc., mas só conseguiu ter domínio sobre a mediunidade quando estava para completar 40 anos de idade. Atualmente, ele afirma que vê os espíritos em todos os lugares e a todo momento, mas isso não mais o incomoda. Enquanto eu coletava esse depoimento, por exemplo, ele disse que, atrás de mim, ele via três Espíritos: um "chinês", um "preto-velho" e um "exu".
Um outro idoso, com 72 anos de idade quando nos deu o seu depoimento, atualmente faz parte do corpo mediúnico de um centro espírita na Vila Prado, bairro de São Carlos. Ele narra que sua infância também não foi fácil. Segundo afirma, desde a infância vê os Espíritos. Porém, quando tinha cerca de sete anos de idade, quando alguns Espíritos que queriam o prejudicar se aproximavam, ele perdia o controle do corpo. Isso acontecia em casa e também na escola, por diversas vezes.
Após alguns exames, foi diagnosticado pela medicina como portador de "ataques epiléticos". Ele conta que sabia que os médicos estavam errados, mas não sabia explicar para as pessoas o que, de fato, acontecia com ele. Os ataques só acontecia com a aproximação de determinados Espíritos.
O seu problema se intensificou por volta dos nove anos de idade quando começou a ter "desdobramentos" espontâneos, ou seja, ele saia do corpo e enxergava nitidamente a "quarta dimensão". Quando isso acontecia, seu corpo ficava em estado de catalepsia, e ele via as pessoas em volta dele tentando o reanimar. Mesmo querendo, não conseguia falar e mexer o corpo para informar que ele estava bem.
Esse senhor narra ainda que, ao retornar do "desdobramento", falava de tudo o que tinha visto do "outro lado". Isso fez com que a família o levasse para um psiquiatra que o diagnosticou também como esquizofrênico e sofrendo de "alucinação autoscópica".
Ele afirma que não teve como prosseguir nos estudos devido às interpretações equivocadas e há várias décadas é médium em um centro espírita, onde encontrou equilíbrio para continuar vivendo.
Nestes dois casos, a mediunidade é uma constante na vida desses senhores desde a infância. Mas a mediunidade pode surgir na vida de uma pessoa na chamada fase madura ou mesmo na terceira idade. É o caso, por exemplo, de uma idosa que estudava em uma escola onde lecionei. Em 2004, a ex-coordenadora da escola, que conhecia o trabalho realizado pela ONGCSF, chamou-me para atender uma aluna, que estava com 58 anos de idade e que, em sua opinião, parecia ter problemas espirituais.
Fui até uma sala de aula com a aluna para conversarmos. Estávamos a sós na sala quando, de repente, ela entrou em transe mediúnico e deu "passagem" para um Espírito que se manifestava como se fosse uma "cigana". O transe durou cerca de 10 minutos. Quando ela voltou ao seu estado de vigília, perguntei à aluna o que tinha acontecido e ela não tinha percebido nada. Ou seja, segundo afirmou, ela não se deu conta de ter ficado "ausente" por quase 10 minutos e que, neste período, permaneceu inconsciente enquanto um outro ser falou através dela.
Quando eu falei que ela era "médium de incorporação", ela ficou assustada, pois tinha muito medo da mediunidade. Segundo narrou, outras pessoas já tinham falado isso para ela, mas nunca quis saber do assunto. Eu a convidei para acompanhar algumas reuniões do grupo de mediunidade laica que acontecia na ONGCSF. Inicialmente, ela recusou, mas, três meses depois, ela pediu para participar.
Cerca de dois meses após ter iniciado sua participação no grupo, ela começou a "incorporar" um preto-velho que se identificava como pai Jeremias. Logo em seguida, começou a psicografar mensagens de sua mãe e de seu ex-marido, ambos falecidos. Durante vários anos ela atuou como médium de incorporação nos atendimentos de Apometria realizados na ONGCSF e, em uma das sessões, o Espírito que se manifestava como pai Jeremias conversou com um casal sobre o mal de alzheimer. Como eu estava com um aparelho de MP3, consegui gravar essa fala que foi postada na internet, podendo ser acessada através do seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=xfsfbAoG5-k.
Ao contrário dos outros senhores, esta aluna tem formação superior. Ela tem licenciatura em ciências biológicas e bacharelado em direito. Ela trabalhou como professora da rede pública de ensino e advogou até se aposentar. Ou seja, seu caso desconstrói o discurso de que a mediunidade é uma "coisa" que só dá em pessoas "ignorantes, analfabetas e sem cultura".
Os três casos acima, demonstram que o idoso pode vivenciar sua mediunidade enquanto uma prática social, espiritista, de umbanda, de apometria ou outra qualquer, sem que isso traga qualquer prejuízo ao seu cotidiano. Nos dois primeiros casos, esses idosos relatam que, o desconhecimento da família e dos profissionais de educação e saúde sobre os mecanismos da mediunidade, fez com que tivessem problemas na formação escolar. Ambos abandonaram a escola por causa disso. Já o terceiro caso mostra uma outra perspectiva, com a pessoa aprendendo rapidamente a lidar com o fenômeno.
Mas há idosos, como no caso de RG, que é médium, e não sofre mais com ela, mas também não quer participar de nenhum grupo e nem ajudar as pessoas com esse potencial psíquico. O depoimento dele foi tão rico em informações que resolvemos publicá-lo no livro Gênero e Espiritualidade: introdução ao estudo das imagens e do imaginário do invisível. Um dado interessante é que ele é negro, gay e médium e afirma que sofre mais preconceito em função da mediunidade do que pelo fato de ser negro ou gay. Daí só falar sobre sua mediunidade para algumas pessoas.
Ele diz ter acesso a informações de outras duas encarnações anteriores a essa e que, em ambas, teria sido mulher. Conta também que vê os Espíritos desde a infância. Quando tinha entre 5 ou 6 anos de idade, foi levado por sua madrasta a um terreiro de umbanda e, quando começou a "gira", começou a ver os Espíritos chegando para "incorporar" e correu para perto deles e ficou falando: "oi, oi, oi.." Sua madrasta queria tirá-lo de lá, mas o dirigente do centro disse que não tinha problema.
E narra que nunca usou sua mediunidade, nem para o "bem" e nem para o "mal". Diz que existem três tipos de Espíritos: os de "luz", os das "trevas" e os "neutros". Segundo afirma, prefere a companhia destes últimos. Em sua narrativa, afirma que um dia foi a um centro espírita e tinha uma criança sendo tratada como "obsediada". Ele viu que não tinha nada de espiritual com ela e um Espírito se aproximou dele e falou: "diz para eles que o problema da criança é somente hiperatividade, que não é nada espiritual". E ele respondia em pensamento para o Espírito: "eu não!" E o Espírito ficava insistindo para ele ajudar, mas ele permanecia irredutível. Perguntei o motivo dele não querer usar esse potencial para ajudar as pessoas e ele respondeu que não gosta de lugar com muita gente, nem de se expor. Aproveitei para convidá-lo para trabalhar na ONGCSF, auxiliando nos atendimentos de Apometria a distância, onde não teria o contato direto com nenhum consulente, mas também não manifestou interesse.
Este outro caso, que agora vou apresentar, é de uma idosa, evangélica, e que vê e ouve os Espíritos. Ela frequentava as minhas aulas em uma escola para a terceira idade porque nelas se sentia bem. Ela aparentava ter sérias "perturbações psíquicas", mas se negava a falar até que, um dia, em sala de aula, ao saber que eu "mexia com espíritos" me perguntou: "professor, por que eu vejo os Espíritos se a minha religião não permite?" E eu procurei explicar para ela que, independentemente da religião, ela, por ser "médium vidente", estava apta para ver estes seres e que, portanto, não dependia de religião.
Ela morava em uma casa, no centro de São Carlos, que, segundo ela, foi sede de uma antiga fazenda. Lá, ela costumava ver os antigos proprietários e até escravos andando pelo local e isso a incomodava.
Eu sugeri que fosse buscar ajuda no trabalho da ONGCSF ou de algum centro espírita ou de umbanda, mas ela não aceitava por ser evangélica. A igreja que ela frequentava se limitava a dizer que "era coisa do demônio", sem ajudar efetivamente na solução do sofrimento dessa idosa.
Na escola, durante as aulas, ela se sentia acolhida e calma. Gostava das meditações e de outras práticas que fazíamos (como o Chi Kung), mas o problema era em casa. E um dia, quando a situação estava se tornando insustentável, ela, sem saber como lidar com a vidência, achou melhor se mudar daquela casa. Porém, ela também abandonou a escola e perdi o contato, ficando sem saber como ela estava lidando com o aquele problema.
No caso dessa ex-aluna, uma outra explicação possível para o que ela via em casa é o animismo, ou seja, ao invés de Espíritos, ela poderia ter sensibilidade para fazer "captação psíquica", um recurso que é muito utilizado nos atendimentos de Apometria. Nesse caso, ela entrava em contato com a energia dos ex-moradores da casa, impregnada no ambiente e via "cenas" do que lá acontecia. Ou seja, seria um fenômeno anímico e não necessariamente mediúnico. Mas este seria um outro tema que não é o nosso objetivo nesta pesquisa.
Continuando com os relatos, poderíamos pensar que hoje em dia não haveria mais crianças passando pelo que os dois primeiros idosos que apresentamos passaram na infância. Podemos pensar que hoje em dia há mais conhecimento e compreensão, que as pessoas estão mais informadas sobre "espiritismo". Porém, vou apresentar dois relatos que demonstram que o problema persiste e que problemas de emergência espiritual de cunho mediúnico ainda acontecem na educação fundamental, afetando crianças e jovens.
Alguns anos atrás, fui procurada por uma aluna de uma escola para idosos, localizada na Vila Prado, porque o seu neto de 8 anos não queria ir mais para a escola e nem ficar na casa dos pais. Era somente na casa da avó que ele se sentia bem, pois lá ele não via os Espíritos. Segundo esta aluna, que é católica, o neto via seres deformados que o ameaçavam de morte, tanto em sua casa, como também na escola. Aliás, é comum as crianças terem "amigos imaginários" até por volta dos sete anos de idade. Mas alguns não costumam ser tão amigáveis, como no caso dessa criança. Felizmente, a avó e a mãe da criança aceitaram auxílio em um centro espírita do bairro que indiquei e um trabalho de "desobsessão" foi realizado. No centro, informaram a avó que a mediunidade da criança havia sido fechada temporariamente até que ele tivesse maturidade para lidar com a questão. Recentemente, conversando com a aluna, ela narrou que o menino está frequentando a escola normalmente e que o problema terminou.
Um outro caso, porém, foi muito mais grave. Uma idosa, médium umbandista, é mãe de uma professora de educação física em uma escola pública. Uma das alunas da filha sofria ataques "obsessivos" dentro da escola. Um dia, a professora encontrou a jovem desmaiada em um sofá, na sala dos professores. Segundo a coordenadora da escola, a menina sofria dores no estômago e por, causa disso, costumava desmaiar.
Depois de 40 minutos e nada da aluna acordar, a professora de educação física resolveu fazer uma oração. A menina, então, "incorporou" um "obsessor" que começou a rastejar pelo chão e ameaçava matar a menina, tentando colocando a cabeça dela no ventilador. Desesperada, pediu socorro à diretora e a outros professores. Com a presença de outras pessoas, o "obsessor" se afastou e a menina voltou ao normal e foi para casa. No dia seguinte, porém, durante a aula de educação física a menina disse para a professora: "ele vem vindo, o malvado vai me pegar..." e desmaiou novamente, desta vez na quadra da escola. Com a ajuda de outros alunos, que estavam assustados e com medo, a professora levou a aluna para uma sala de aula. No caminho, ela deu "passagem" novamente ao "obsessor" que começou a rosnar e a ameaçar todo mundo.
A professora, então, resolveu chamar a mãe, médium de umbanda, que foi até lá e conseguiu "acalmar" o "obsessor". À noite, no centro em que a mãe dessa professora trabalha, o Espírito foi "doutrinado" e a aluna, depois dessa experiência, passou a frequentar também o mesmo local para disciplinar sua mediunidade.

***
Outros relatos poderiam ser aqui citados, mas acredito que estes são suficientes para demonstrar como o desconhecimento sobre os mecanismos da mediunidade ainda são grandes. Fala-se muito em escola inclusiva, mas o que acontece quando o aluno afirma que vê, ouve ou dá "passagem" para espíritos? Como esse aluno é tratado? como louco? como esquizofrênico? como um ser tomado pelo demônio?
É provável que todos nós sejamos médiuns, a maioria, porém, apenas intuitivos. E como sempre estamos recebendo intuições, sejam elas positivas ou negativas, e como não é comum vermos os Espíritos que as transmitem, achamos que são nossos próprios pensamentos. Porém, aquelas pessoas que possuem mediunidade ostensiva, seja a vidência, a audiência, a "incorporação", entre outras, são as que mais sofrem, pois costumam ser rotuladas como esquizofrênicas e são, com frequência, encaminhadas para tratamentos psiquiátricos com profissionais que ignoram os mecanismos básicos da mediunidade.
Outro fato, porém, é que mesmo sendo um médium equilibrado, muito idosos manifestam traços de estigmatização, sobretudo, quando atuam na Umbanda. Nos ambientes profissionais e mesmo na escola, enquanto as outras pessoas não descobrem que elas são umbandistas, estas costumam se mostrar inseguras ou desconfiadas, alguns dos traços apontados por Erving GOFFMAN (1988) sobre o estigma. Com frequência, ouvem, em silêncio, os outros criticando ou falando pejorativamente de sua religião. Se perguntam qual a religião eles seguem, muitos dizem ser católicos ou espíritas, mas dificilmente se assumem como umbandistas.
No interior do grupo religioso, agem com mais naturalidade, mas não deixam de viver uma vida incompleta, sempre com receio de serem chamados de "macumbeiro" ou outro nomenclatura pejorativa e preconceituosa.
Apesar dessa intolerância com os médiuns e adeptos das religiões afro-brasileiras, existem alguns "transtornos psíquicos" que afetam vários médiuns, independentemente da linha doutrinária que seguem. Os mais comuns são enxaquecas que duram semanas, pesadelos, irritação sem motivo aparente, ideias suicidas e mudança repentina de humor, tonturas, entre outros sintomas, ao adentrar em certos locais, como hospitais, por exemplo. Esses transtornos costumam ser classificados como "anímicos" ou "obsessivos", por exemplo, pelos adeptos da Apometria, técnica de tratamento psíquico criada por um médico espiritista em meados do século XX. A solução, para a maioria deles, seria através do próprio exercício da mediunidade, uma vez que seriam consequência da "mediunidade reprimida". Essa teoria também foi compartilhada por vários médiuns com quem conversamos e afirmaram que, ao começar a estudar e a fazer parte de práticas sociais medianímicas estes transtornos se extinguiram ou diminuíram significativamente. No caso de terem causas "obsessivas", além da prática social da mediunidade se fez necessário um tratamento através da própria Apometria, em terreiros de umbanda ou centros espíritas.
A prática da meditação integrativa com idosos médiuns, ou seja, que não reprimiram a mediunidade e a utilizam em diferentes práticas sociais espiritualistas, demonstra que ela pode ser um procedimento eficiente complementar. Em outras palavras, não substitui a prática social da mediunidade, mas auxilia, e muito, no alívio destes "transtornos psíquicos". E isso ocorreria, dentro da perspectiva da Animagogia, pelo fato do médium ser capaz de captar de uma forma mais intensiva e também extensiva as energias psíquicas (qualitum) que vibram na Psicosfera.

Todos nós seriamos capazes de captar tais ondas, porém, as pessoas que se dizem médiuns parecem ter uma sensibilidade maior para conseguir fazer estas captações psíquicas. Tais captações acontecem de forma consciente e também inconsciente. A disciplina necessária para participar de uma prática social medianímica, não importando a doutrina, ajuda a evitar os "transtornos psíquicos" associados à "mediunidade reprimida".  Porém, além dessa prática, se faz necessário autoconhecimento e controle mental. A prática da meditação, especificamente, da Meditação Integrativa, que é realizada através de induções animagógicas e bioenergéticas, favorece esse processo e, dessa forma, condições para que o médium consiga se "desligar" de uma forma consciente das energias desarmônicas e seja capaz de controlar as energias de seu pensamento e sentimento em seu cotidiano, inclusive nos momentos em que não está atuando em alguma prática social medianímica.

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