está
a escola preparada para acolher um aluno médium?
Encontramos registros de fenômenos mediúnicos desde a Antiguidade, em
todas as culturas populares e tradições religiosas. Em alguns contextos
socioculturais a mediunidade é aceita com naturalidade e, em outros, como algo
a ser combatido, como, por exemplo, no Antigo Testamento.
Apesar do DSM-4 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
– 4ª edição, da Associação Psiquiátrica Americana) ter incluído a categoria
Problemas Espirituais e Religiosos para estudar melhor esse assunto, ainda
predomina no discurso acadêmico a interpretação da mediunidade como fraude,
charlatanismo, psicopatologia, delírio, alucinação, entre outros diagnósticos,
o que dificulta uma melhor compreensão do fenômeno quando ele se manifesta, por
exemplo, em alunos em idade escolar, uma vez que o caso é tratado, quase
sempre, como esquizofrenia ou outros transtornos mentais. Quando a hipótese
espiritual é aventada, com frequência é associada ao "satanismo",
sobretudo por professores e diretores de escola evangélicos.
A mediunidade não é um fenômeno que deve ser estimulado, ela deve
eclodir naturalmente e, por acaso ou não, há vários relatos de pessoas que
vivenciaram a eclosão dela justamente no ambiente escolar. E nossa hipótese,
baseada em mais de 12 anos de estudo e prática da mediunidade laica, é que ela
não é uma patologia, constituindo-se em um problema apenas quando acontece de
forma descontrolada, quando o médium
não tem nenhum controle sobre o fenômeno, o que costuma acontecer no inicio do
processo ou em casos de "obsessão". Porém, quando o médium domina e compreende as leis que
regem o fenômeno, consegue ter uma vida cotidiana normal e saudável.
Obviamente que não é o caso de uma criança em idade escolar. Esta não
tem a maturidade suficiente para isso e, portanto, necessita de auxilio, tanto
dos profissionais da saúde e da educação, como de grupos espiritualistas sérios
e preparados para lidar com o problema se a eclosão de traços medianímicos
acontecerem justamente dentro do ambiente escolar.
Essa problemática é
pouco discutida no meio acadêmico, muito mais por preconceito do que por falta
de necessidade, uma vez que o problema nunca deixou de acontecer. E os casos
que aparecem no ambiente escolar, com frequência são tratados como casos de
psiquiatria, ou seja, o problema é tratado como doença mental e não como um
"problema religioso e espiritual". Talvez venha daí a falsa impressão
que o problema não existe ou não interesse estudar na Educação.
As narrativas
visionárias ou místicas são abominadas pelo racionalismo moderno. E talvez o
clássico do racionalismo seja o livro Sonhos
de um visionário, de Emmanuel KANT que visa combater o "misticismo
obscurantista", atacando Swedenborg, o "vidente de espírito". A
intenção de KANT, com este livro, era acabar com os "devaneios
metafísicos", com as "sociedades fictícias" e com as
"viagens imaginárias". Para ele, nada do que narram os videntes seria
verdade. E afirma:
Confesso que todos os contos sobre a aparição de
almas defuntas ou sobre influxos espirituais e que todas as teorias de caráter
conjectural sobre a natureza dos seres espirituais e da sua ligação conosco,
pesam sensivelmente apenas no prato da esperança ao passo que, em
contrapartida, no da especulação, parecem duma consistência absolutamente
aérea. (op.cit.,
87)
A mediunidade, porém, é
uma prática social milenar, como já salientamos. Todas as culturas possuem
pessoas que servem de intermediárias com o chamado plano espiritual. Foram
chamadas de pitonisas, oráculos, profetas etc. E é importante distinguir a
mediunidade da doutrina espírita ou da Umbanda, religião medianímica
brasileira. Elas se fundamentam na prática mediúnica, mas esta também está
presente no taoismo e em outras religiões. Além disso, muitas pessoas exercem a
mediunidade de forma laica, sem vínculos com religiões.
A questão fundamental é
que a mediunidade não depende de classe social, grau de escolaridade, gênero
etc. Além disso, ela pode eclodir na vida de uma pessoa em qualquer idade, seja
em crianças e até mesmo em idosos.
E é interessante assinar que, no mesmo livro, KANT escreveu que talvez
as experiências ocultistas com os Espíritos
fossem falsas, mas não charlatanismo. Para Kant o contato com o mundo dos Espíritos
era o resultado de uma perturbação da inteligência, de alguma afecção
patológica dos sentidos e da imaginação. Esse processo resultaria em
representações simbólicas de um além impossível de ser atingido pelas mentes
normais.
E, apesar de classificar as visões e audições descritas por SWEDENBORG como
algo “patológico” apresentará uma hipótese bem “complexa” para um filósofo racionalista
do século XVIII. Para ele, tais “patologias” poderiam, de fato, ter uma causa
espiritual. Ou seja, KANT chega a admitir que os Espíritos (os mortos) poderiam
influenciar ou perturbar as faculdades normais dos “vivos”. Dessa forma, o
filósofo prussiano chegou a admitir a possibilidade de haver uma relação entre
o “mundo dos vivos” e o “mundo dos Espíritos”, mesmo que isso produzisse um
efeito patológico sobre as faculdades mentais dos primeiros. KANT reconheceu
que essa sua hipótese transporia os limites da racionalidade de sua época.
Refletindo sobre as “alucinações” de SWEDENBORG, KANT elaborou uma
teoria sobre os Espíritos que seria, aproximadamente, a seguinte:
1 - os Espíritos seriam seres que ocupam o espaço físico sem o preencherem
(algo semelhante é dito para KARDEC por um suposto Espírito no livro O céu e o
inferno).
2 - Eles habitariam um mundo supra-sensível e formariam uma comunidade
de seres racionais. Para se conhecer tal comunidade, no domínio da experiência,
só haveria um caminho: através do “mundo moral”. Para KANT, na medida em que
nos sentimos descontentes em viver presos aos nossos desejos sensoriais e
reconhecemos que somos dependentes de uma Lei e de uma vontade que nos vem do
exterior, somos atravessados por uma exigência que funda uma comunidade
interdependente, à maneira de uma atração universal entre o mundo sensível dos
homens e o supra-sensível dos Espíritos, ou seja, dos "mortos".
Mas a fascinação de KANT pela “intuição alucinada” de SWEDENBORG, que afirmava
conversar cotidianamente com os "mortos",
fez com que ele antecipasse algumas das premissas que o espiritismo de KARDEC revelaria
no século seguinte. KANT afirmou que os Espíritos, apesar de não estarem
efetivamente no espaço, utilizam-se dos pensamentos humanos e suas ideias são
revestidas pela aparência do mundo sensível. Em suma, o mundo dos Espíritos,
segundo KANT, continuaria sendo o mundo das representações humanas.
E KANT chegou também a escrever que SWEDENBORG seria, de fato, um “oráculo dos
Espíritos” e que teria o seu “ser interior” aberto. Ou seja, ele podia ser
“tomado” pelos Espíritos. Porém, a relutância de KANT em colocar do mesmo lado
o idealismo dos metafísicos e o “delírio” dos ocultistas, particularmente, de SWEDENBORG,
levou-o a tentar definir os limites entre a razão
dos metafísicos e a "loucura"
dos ocultistas
Reconhecendo ser pretensioso
não acreditar em nada do que SWEDENBORG escrevia e, ao mesmo tempo, acreditar em
tudo sem um exame mais rigoroso da razão, KANT afirma que seria capaz de
sustentar os devaneios do ocultista se alguém contestasse sua possibilidade. E, como uma espécie de censor, recomenda para as
mulheres, sobretudo, as grávidas, não entrar em contato com as informações
referentes ao estado dos espíritos após a morte, uma vez que a diversidade de
formas espirituais presente nas visões de SWEDENBORG poderia assustá-las.
Talvez o erro de KANT tenha sido o de classificar como patológica essa
relação com os Espíritos. KANT não descarta a possibilidade da vida existir
após a morte, mas vai afirmar que esse contato com o "mundo dos
Espíritos" pode desencadear "alucinações", como as descritas por
SWEDENBORG.
No livro Fenomenologia da
atividade representativa, o psiquiatra Isaias PAIM descreve os tipos de
alucinações (auditivas, visuais, olfativas, gustativas, táteis,
neurovestibulares, pseudo-alucinações etc.) e apresenta as diferentes teorias
para se entender a patogenia delas. No que se refere a teoria fenomenológica,
centra sua análise na perspectiva que SARTRE apresenta no livro O imaginário, concluindo que a
interpretação deste é limitada por faltar-lhe a experiência da clínica e a
convivência com os "enfermos alucinados".
Concordando com esta interpretação, mas considerando que muito do
material psíquico produzido por médiuns
não é alucinação, mas sim um contato real com a psicosfera, em alguns casos com
a noosfera e com o plano espiritual propriamente dito, apresentarei alguns casos
relatados por médiuns, hoje na
terceira idade, e que relatam diferentes problemas enfrentados durante a
infância e que, por falta de conhecimento e orientação dos pais, professores e
profissionais da saúde, tiveram sua educação escolar profundamente prejudicada.
Apresentarei também o caso de uma idosa cuja mediunidade eclodiu na terceira
idade, causando alguns transtornos em sua vida, mas rapidamente superados
quando aceitou a faticidade do fenômeno e se engajou em uma prática social
espiritualista, e outros casos que nos ajudam a entender melhor o fenômeno
mediúnico.
Estes relatos já foram expostos em trabalhos apresentados em alguns
eventos, como o "XI Fórum Nacional de Coordenadores de Projetos da
Terceira Idade de Instituições de Ensino Superior", em Recife, no ano de
2009; também no ciclo de debates "Cultura de paz, mediunidade e direitos
humanos", em 2010, realizado no centro de cultura afro-brasileira Odette
dos Santos, na cidade de São Carlos; e no "V seminário arte e imaginário
na educação: imaginário, arte e educação da alma", na UFMA, em 2014, entre
outros.
Começarei pelos depoimentos de idosos que desde a infância manifestam
esse potencial psíquico em suas vidas e como a mediunidade foi interpretada de
forma errônea, prejudicando profundamente sua educação escolar, pois tiveram
que abandonar a escola em função desse "problema" de saúde.
O primeiro que vamos apresentar é do senhor CR. Ele narra que, na
infância, sofreu por causa da mediunidade ostensiva e da "obsessão"
que sofria, sendo diagnosticado, na juventude, como esquizofrênico, fato que o
fez perder alguns anos de estudo. Ele só teve domínio de sua mediunidade de
clarividência por volta dos 40 anos de idade. Hoje, ele afirma, não tem mais
medo de nenhum tipo de Espírito e os vê e os ouve perfeitamente. Porém, na
infância, por ignorância da família, dos professores e dos profissionais da
saúde que o atenderam, sofreu muito. Ele afirma que o período mais difícil foi
quando estava na sexta série. Naquela época, quase que diariamente, sofria com
fortes dores de cabeça. Sua família exigia que fosse para a escola assim mesmo,
mas não conseguia prestar atenção às aulas.
Ao ser encaminhado pela escola para fazer alguns exames, nenhum problema
físico foi constatado. Para os seus professores e para os profissionais da
saúde que o atenderam, tudo não passava de fingimento. Desesperado, abandonou
os estudos.
Por volta dos 18 anos de idade começou a ver e ouvir os espíritos com
nitidez e procurou ajuda psiquiátrica. Ele foi rotulado como esquizofrênico e
passou a tomar medicamentos que alteravam sua sensibilidade e o prejudicava no
trabalho. Por volta dos 23 anos de idade parou de tomar os medicamentos por
conta própria e foi procurar auxílio nas religiões. Frequentou igrejas
evangélicas, terreiros de umbanda, centros espíritas etc., mas só conseguiu ter
domínio sobre a mediunidade quando estava para completar 40 anos de idade.
Atualmente, ele afirma que vê os espíritos em todos os lugares e a todo
momento, mas isso não mais o incomoda. Enquanto eu coletava esse depoimento,
por exemplo, ele disse que, atrás de mim, ele via três Espíritos: um "chinês",
um "preto-velho" e um "exu".
Um outro idoso, com 72 anos de idade quando nos deu o seu depoimento, atualmente
faz parte do corpo mediúnico de um centro espírita na Vila Prado, bairro de São
Carlos. Ele narra que sua infância também não foi fácil. Segundo afirma, desde
a infância vê os Espíritos. Porém, quando tinha cerca de sete anos de idade,
quando alguns Espíritos que queriam o prejudicar se aproximavam, ele perdia o
controle do corpo. Isso acontecia em casa e também na escola, por diversas
vezes.
Após alguns exames, foi diagnosticado pela medicina como portador de
"ataques epiléticos". Ele conta que sabia que os médicos estavam
errados, mas não sabia explicar para as pessoas o que, de fato, acontecia com
ele. Os ataques só acontecia com a aproximação de determinados Espíritos.
O seu problema se intensificou por volta dos nove anos de idade quando
começou a ter "desdobramentos" espontâneos, ou seja, ele saia do
corpo e enxergava nitidamente a "quarta dimensão". Quando isso
acontecia, seu corpo ficava em estado de catalepsia, e ele via as pessoas em
volta dele tentando o reanimar. Mesmo querendo, não conseguia falar e mexer o
corpo para informar que ele estava bem.
Esse senhor narra ainda que, ao retornar do "desdobramento",
falava de tudo o que tinha visto do "outro lado". Isso fez com que a
família o levasse para um psiquiatra que o diagnosticou também como
esquizofrênico e sofrendo de "alucinação autoscópica".
Ele afirma que não teve como prosseguir nos estudos devido às
interpretações equivocadas e há várias décadas é médium em um centro espírita,
onde encontrou equilíbrio para continuar vivendo.
Nestes dois casos, a mediunidade é uma constante na vida desses senhores
desde a infância. Mas a mediunidade pode surgir na vida de uma pessoa na
chamada fase madura ou mesmo na terceira idade. É o caso, por exemplo, de uma idosa
que estudava em uma escola onde lecionei. Em 2004, a ex-coordenadora da escola,
que conhecia o trabalho realizado pela ONGCSF, chamou-me para atender uma
aluna, que estava com 58 anos de idade e que, em sua opinião, parecia ter
problemas espirituais.
Fui até uma sala de aula com a aluna para conversarmos. Estávamos a sós
na sala quando, de repente, ela entrou em transe mediúnico e deu
"passagem" para um Espírito que se manifestava como se fosse uma "cigana".
O transe durou cerca de 10 minutos. Quando ela voltou ao seu estado de vigília,
perguntei à aluna o que tinha acontecido e ela não tinha percebido nada. Ou
seja, segundo afirmou, ela não se deu conta de ter ficado "ausente"
por quase 10 minutos e que, neste período, permaneceu inconsciente enquanto um
outro ser falou através dela.
Quando eu falei que ela era "médium de incorporação", ela
ficou assustada, pois tinha muito medo da mediunidade. Segundo narrou, outras
pessoas já tinham falado isso para ela, mas nunca quis saber do assunto. Eu a
convidei para acompanhar algumas reuniões do grupo de mediunidade laica que
acontecia na ONGCSF. Inicialmente, ela recusou, mas, três meses depois, ela
pediu para participar.
Cerca de dois meses após ter iniciado sua participação no grupo, ela
começou a "incorporar" um preto-velho que se identificava como pai
Jeremias. Logo em seguida, começou a psicografar mensagens de sua mãe e de seu
ex-marido, ambos falecidos. Durante vários anos ela atuou como médium de
incorporação nos atendimentos de Apometria realizados na ONGCSF e, em uma das
sessões, o Espírito que se manifestava como pai Jeremias conversou com um casal
sobre o mal de alzheimer. Como eu estava com um aparelho de MP3, consegui
gravar essa fala que foi postada na internet, podendo ser acessada através do
seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=xfsfbAoG5-k.
Ao contrário dos outros senhores, esta aluna tem formação superior. Ela
tem licenciatura em ciências biológicas e bacharelado em direito. Ela trabalhou
como professora da rede pública de ensino e advogou até se aposentar. Ou seja,
seu caso desconstrói o discurso de que a mediunidade é uma "coisa"
que só dá em pessoas "ignorantes, analfabetas e sem cultura".
Os três casos acima,
demonstram que o idoso pode vivenciar sua mediunidade enquanto uma prática
social, espiritista, de umbanda, de apometria ou outra qualquer, sem que isso
traga qualquer prejuízo ao seu cotidiano. Nos dois primeiros casos, esses
idosos relatam que, o desconhecimento da família e dos profissionais de
educação e saúde sobre os mecanismos da mediunidade, fez com que tivessem
problemas na formação escolar. Ambos abandonaram a escola por causa disso. Já o
terceiro caso mostra uma outra perspectiva, com a pessoa aprendendo rapidamente
a lidar com o fenômeno.
Mas há idosos, como no
caso de RG, que é médium, e não sofre mais com ela, mas também não quer
participar de nenhum grupo e nem ajudar as pessoas com esse potencial psíquico.
O depoimento dele foi tão rico em informações que resolvemos publicá-lo no
livro Gênero e Espiritualidade:
introdução ao estudo das imagens e do imaginário do invisível. Um dado
interessante é que ele é negro, gay e médium
e afirma que sofre mais preconceito em função da mediunidade do que pelo fato
de ser negro ou gay. Daí só falar sobre sua mediunidade para algumas pessoas.
Ele diz ter acesso a informações
de outras duas encarnações anteriores a essa e que, em ambas, teria sido
mulher. Conta também que vê os Espíritos desde a infância. Quando tinha entre 5
ou 6 anos de idade, foi levado por sua madrasta a um terreiro de umbanda e,
quando começou a "gira", começou a ver os Espíritos chegando para
"incorporar" e correu para perto deles e ficou falando: "oi, oi,
oi.." Sua madrasta queria tirá-lo de lá, mas o dirigente do centro disse
que não tinha problema.
E narra que nunca usou
sua mediunidade, nem para o "bem" e nem para o "mal". Diz
que existem três tipos de Espíritos: os de "luz", os das
"trevas" e os "neutros". Segundo afirma, prefere a
companhia destes últimos. Em sua narrativa, afirma que um dia foi a um centro
espírita e tinha uma criança sendo tratada como "obsediada". Ele viu
que não tinha nada de espiritual com ela e um Espírito se aproximou dele e
falou: "diz para eles que o problema da criança é somente hiperatividade,
que não é nada espiritual". E ele respondia em pensamento para o Espírito:
"eu não!" E o Espírito ficava insistindo para ele ajudar, mas ele
permanecia irredutível. Perguntei o motivo dele não querer usar esse potencial
para ajudar as pessoas e ele respondeu que não gosta de lugar com muita gente,
nem de se expor. Aproveitei para convidá-lo para trabalhar na ONGCSF,
auxiliando nos atendimentos de Apometria a distância, onde não teria o contato
direto com nenhum consulente, mas também não manifestou interesse.
Este outro caso, que
agora vou apresentar, é de uma idosa, evangélica, e que vê e ouve os Espíritos.
Ela frequentava as minhas aulas em uma escola para a terceira idade porque
nelas se sentia bem. Ela aparentava ter sérias "perturbações psíquicas",
mas se negava a falar até que, um dia, em sala de aula, ao saber que eu
"mexia com espíritos" me perguntou: "professor, por que eu vejo
os Espíritos se a minha religião não permite?" E eu procurei explicar para
ela que, independentemente da religião, ela, por ser "médium vidente",
estava apta para ver estes seres e que, portanto, não dependia de religião.
Ela morava em uma casa,
no centro de São Carlos, que, segundo ela, foi sede de uma antiga fazenda. Lá,
ela costumava ver os antigos proprietários e até escravos andando pelo local e
isso a incomodava.
Eu sugeri que fosse buscar
ajuda no trabalho da ONGCSF ou de algum centro espírita ou de umbanda, mas ela
não aceitava por ser evangélica. A igreja que ela frequentava se limitava a
dizer que "era coisa do demônio", sem ajudar efetivamente na solução
do sofrimento dessa idosa.
Na escola, durante as
aulas, ela se sentia acolhida e calma. Gostava das meditações e de outras
práticas que fazíamos (como o Chi Kung), mas o problema era em casa. E um dia,
quando a situação estava se tornando insustentável, ela, sem saber como lidar
com a vidência, achou melhor se mudar daquela casa. Porém, ela também abandonou
a escola e perdi o contato, ficando sem saber como ela estava lidando com o
aquele problema.
No caso dessa ex-aluna,
uma outra explicação possível para o que ela via em casa é o animismo, ou seja,
ao invés de Espíritos, ela poderia ter sensibilidade para fazer "captação
psíquica", um recurso que é muito utilizado nos atendimentos de Apometria.
Nesse caso, ela entrava em contato com a energia dos ex-moradores da casa,
impregnada no ambiente e via "cenas" do que lá acontecia. Ou seja,
seria um fenômeno anímico e não necessariamente mediúnico. Mas este seria um
outro tema que não é o nosso objetivo nesta pesquisa.
Continuando com os
relatos, poderíamos pensar que hoje em dia não haveria mais crianças passando
pelo que os dois primeiros idosos que apresentamos passaram na infância.
Podemos pensar que hoje em dia há mais conhecimento e compreensão, que as
pessoas estão mais informadas sobre "espiritismo". Porém, vou
apresentar dois relatos que demonstram que o problema persiste e que problemas
de emergência espiritual de cunho mediúnico ainda acontecem na educação
fundamental, afetando crianças e jovens.
Alguns anos atrás, fui
procurada por uma aluna de uma escola para idosos, localizada na Vila Prado,
porque o seu neto de 8 anos não queria ir mais para a escola e nem ficar na
casa dos pais. Era somente na casa da avó que ele se sentia bem, pois lá ele
não via os Espíritos. Segundo esta aluna, que é católica, o neto via seres
deformados que o ameaçavam de morte, tanto em sua casa, como também na escola.
Aliás, é comum as crianças terem "amigos imaginários" até por volta
dos sete anos de idade. Mas alguns não costumam ser tão amigáveis, como no caso
dessa criança. Felizmente, a avó e a mãe da criança aceitaram auxílio em um
centro espírita do bairro que indiquei e um trabalho de "desobsessão"
foi realizado. No centro, informaram a avó que a mediunidade da criança havia
sido fechada temporariamente até que ele tivesse maturidade para lidar com a questão.
Recentemente, conversando com a aluna, ela narrou que o menino está
frequentando a escola normalmente e que o problema terminou.
Um outro caso, porém,
foi muito mais grave. Uma idosa, médium umbandista, é mãe de uma professora de
educação física em uma escola pública. Uma das alunas da filha sofria ataques
"obsessivos" dentro da escola. Um dia, a professora encontrou a jovem
desmaiada em um sofá, na sala dos professores. Segundo a coordenadora da
escola, a menina sofria dores no estômago e por, causa disso, costumava
desmaiar.
Depois de 40 minutos e
nada da aluna acordar, a professora de educação física resolveu fazer uma
oração. A menina, então, "incorporou" um "obsessor" que
começou a rastejar pelo chão e ameaçava matar a menina, tentando colocando a
cabeça dela no ventilador. Desesperada, pediu socorro à diretora e a outros
professores. Com a presença de outras pessoas, o "obsessor" se
afastou e a menina voltou ao normal e foi para casa. No dia seguinte, porém,
durante a aula de educação física a menina disse para a professora: "ele
vem vindo, o malvado vai me pegar..." e desmaiou novamente, desta vez na
quadra da escola. Com a ajuda de outros alunos, que estavam assustados e com
medo, a professora levou a aluna para uma sala de aula. No caminho, ela deu
"passagem" novamente ao "obsessor" que começou a rosnar e a
ameaçar todo mundo.
A professora, então, resolveu
chamar a mãe, médium de umbanda, que
foi até lá e conseguiu "acalmar" o "obsessor". À noite, no
centro em que a mãe dessa professora trabalha, o Espírito foi
"doutrinado" e a aluna, depois dessa experiência, passou a frequentar
também o mesmo local para disciplinar sua mediunidade.
***
Outros relatos poderiam
ser aqui citados, mas acredito que estes são suficientes para demonstrar como o
desconhecimento sobre os mecanismos da mediunidade ainda são grandes. Fala-se
muito em escola inclusiva, mas o que acontece quando o aluno afirma que vê,
ouve ou dá "passagem" para espíritos? Como esse aluno é tratado? como
louco? como esquizofrênico? como um ser tomado pelo demônio?
É provável que todos
nós sejamos médiuns, a maioria,
porém, apenas intuitivos. E como sempre estamos recebendo intuições, sejam elas
positivas ou negativas, e como não é comum vermos os Espíritos que as
transmitem, achamos que são nossos próprios pensamentos. Porém, aquelas pessoas
que possuem mediunidade ostensiva, seja a vidência, a audiência, a
"incorporação", entre outras, são as que mais sofrem, pois costumam
ser rotuladas como esquizofrênicas e são, com frequência, encaminhadas para
tratamentos psiquiátricos com profissionais que ignoram os mecanismos básicos da
mediunidade.
Outro fato, porém, é
que mesmo sendo um médium
equilibrado, muito idosos manifestam traços de estigmatização, sobretudo, quando
atuam na Umbanda. Nos ambientes profissionais e mesmo na escola, enquanto as outras
pessoas não descobrem que elas são umbandistas, estas costumam se mostrar inseguras
ou desconfiadas, alguns dos traços apontados por Erving GOFFMAN (1988) sobre o
estigma. Com frequência, ouvem, em silêncio, os outros criticando ou falando
pejorativamente de sua religião. Se perguntam qual a religião eles seguem,
muitos dizem ser católicos ou espíritas, mas dificilmente se assumem como
umbandistas.
No interior do grupo
religioso, agem com mais naturalidade, mas não deixam de viver uma vida
incompleta, sempre com receio de serem chamados de "macumbeiro" ou
outro nomenclatura pejorativa e preconceituosa.
Apesar dessa
intolerância com os médiuns e adeptos
das religiões afro-brasileiras, existem alguns "transtornos
psíquicos" que afetam vários médiuns,
independentemente da linha doutrinária que seguem. Os mais comuns são
enxaquecas que duram semanas, pesadelos, irritação sem motivo aparente, ideias
suicidas e mudança repentina de humor, tonturas, entre outros sintomas, ao
adentrar em certos locais, como hospitais, por exemplo. Esses transtornos
costumam ser classificados como "anímicos" ou "obsessivos",
por exemplo, pelos adeptos da Apometria, técnica de tratamento psíquico criada
por um médico espiritista em meados do século XX. A solução, para a maioria
deles, seria através do próprio exercício da mediunidade, uma vez que seriam
consequência da "mediunidade reprimida". Essa teoria também foi
compartilhada por vários médiuns com
quem conversamos e afirmaram que, ao começar a estudar e a fazer parte de
práticas sociais medianímicas estes transtornos se extinguiram ou diminuíram
significativamente. No caso de terem causas "obsessivas", além da
prática social da mediunidade se fez necessário um tratamento através da
própria Apometria, em terreiros de umbanda ou centros espíritas.
A prática da meditação
integrativa com idosos médiuns, ou
seja, que não reprimiram a mediunidade e a utilizam em diferentes práticas
sociais espiritualistas, demonstra que ela pode ser um procedimento eficiente complementar.
Em outras palavras, não substitui a prática social da mediunidade, mas auxilia,
e muito, no alívio destes "transtornos psíquicos". E isso ocorreria,
dentro da perspectiva da Animagogia, pelo fato do médium ser capaz de captar de uma forma mais intensiva e também
extensiva as energias psíquicas (qualitum)
que vibram na Psicosfera.
Todos nós seriamos
capazes de captar tais ondas, porém, as pessoas que se dizem médiuns parecem ter uma sensibilidade
maior para conseguir fazer estas captações psíquicas. Tais captações acontecem
de forma consciente e também inconsciente. A disciplina necessária para
participar de uma prática social medianímica, não importando a doutrina, ajuda
a evitar os "transtornos psíquicos" associados à "mediunidade
reprimida". Porém, além dessa
prática, se faz necessário autoconhecimento e controle mental. A prática da meditação,
especificamente, da Meditação Integrativa, que é realizada através de induções
animagógicas e bioenergéticas, favorece esse processo e, dessa forma, condições
para que o médium consiga se "desligar"
de uma forma consciente das energias desarmônicas e seja capaz de controlar as
energias de seu pensamento e sentimento em seu cotidiano, inclusive nos
momentos em que não está atuando em alguma prática social medianímica.
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